Doença renal crônica

(Doença renal crônica)

PorAnna Malkina, MD, University of California, San Francisco
Revisado/Corrigido: out 2023
Visão Educação para o paciente

Doença renal crônica (DRC) é a deterioração da função renal de longa duração e progressiva. Os sintomas desenvolvem-se lentamente e nos estágios avançados incluem anorexia, náuseas, vômitos, estomatites, disgeusia, noctúria, esgotamento, fadiga, prurido, diminuição da acuidade mental, contrações musculares e cãibras, retenção hídrica, desnutrição, neuropatia periférica e convulsões. O diagnóstico baseia-se nos exames de laboratório de função renal e, às vezes, em biópsia renal. O tratamento é primariamente direcionado para a doença subjacente, mas inclui manejo de líquidos e eletrólitos, controle da pressão arterial, tratamento da anemia e vários tipos de diálise e transplante renal.

Estimou-se que a prevalência de DRC [definida como uma taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) < 60 mL/min/1,73 m2 ou relação albumina/creatinina (RAC) urinária 30 mg/g] entre adultos nos Estados Unidos, de 2017 a março de 2020, foi de 14,0% (1).

Referência geral

  1. 1. United States Renal Data System (USRDS): CKD in the general population. Acessado em 18 de agosto de 2023.

Etiologia da doença renal crônica

A doença renal crônica pode resultar de qualquer causa de disfunção renal de magnitude suficiente (ver tabela Principais causas da doença renal crônica).

As causas mais comuns nos Estados Unidos em ordem de prevalência são

Síndrome metabólica, em que estão presentes hipertensão e diabetes tipo 2, é uma causa significativa e crescente de lesão renal.

Tabela

Fisiopatologia da doença renal crônica

A doença renal crônica é descrita inicialmente como a diminuição da reserva renal ou o comprometimento renal, que pode progredir para insuficiência renal (doença renal terminal). Inicialmente, à medida que o tecido renal perde a função, há poucas anormalidades porque o tecido remanescente aumenta seu desempenho (adaptação da função renal).

A diminuição da função renal interfere na capacidade renal de manter a homeostase de líquidos e eletrólitos. A capacidade de concentrar urina diminui precocemente, sendo seguida da diminuição da capacidade de excretar fosfato, ácido e potássio em excesso. Com o avanço da insuficiência renal (taxa de filtração glomerular 15 mL/min/1,73 m2), perde-se a capacidade de diluir ou concentrar de maneira eficaz a urina; assim, a osmolalidade urinária costuma ser fixada em 300 a 320 mOsm/kg, próxima à do plasma (275 a 295 mOsm/kg) e o volume urinário não responde prontamente a variações na ingestão de água.

Creatinina e ureia

As concentrações plasmáticas de creatinina e ureia (que são muito dependentes da filtração glomerular) apresentam uma elevação hiperbólica à medida que o RFG diminui. Essas alterações são mínimas no início. Quando a RFG cai abaixo de 15 mL/min/1,73 m2 (normal > 90 mL/min/1,73 m2), os níveis de creatinina e ureia estão altos e, geralmente, estão associados a manifestações sistêmicas (uremia). A ureia e a creatinina não são os principais contribuintes para os sintomas urêmicos; são marcadores para várias outras substâncias, algumas ainda não bem definidas, que causam os sintomas.

Sódio e água

Apesar da diminuição do RFG, o equilíbrio de sódio e água é bem conservado em razão de um aumento da fração de excreção de sódio na urina e uma resposta normal à sede. Assim, a concentração de sódio plasmático é tipicamente normal e a hipervolemia é infrequente, mas pode ocorrer se a ingestão de sódio e água for muito restrita ou excessiva. A insuficiência cardíaca pode decorrer da sobrecarga de sódio e água, em particular nos pacientes com doenças cardíacas subjacentes.

Potássio

Para substâncias cuja secreção é controlada principalmente pelo néfron distal (p. ex., potássio), a adaptação geralmente mantém concentrações plasmáticas normais até que a insuficiência renal esteja avançada ou a ingestão alimentar de potássio seja excessiva. Diuréticos poupadores de potássio, inibidores da enzima conversora de angiotensina , betabloqueadores, anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), ciclosporina, tacrolimo, sulfametoxazol/trimetoprima (SMX-TMPcotrimoxazol) , pentamidina ou bloqueadores do receptor de angiotensina II podem aumentar os níveis séricos de potássio nos pacientes com insuficiência renal menos avançada.

Cálcio e fosfato

Podem ocorrer alterações de cálcio, fosfato, hormônio paratireoideo (PTH) e metabolismo da vitamina D e também osteodistrofia renal. A diminuição da produção renal de calcitriol (1,25(OH)2D, o hormônio ativo da vitamina D) contribui para a hipocalcemia. Excreção renal diminuída de fosfato resulta em hiperfosfatemia. Hiperparatireoidismo secundário é comum e pode se desenvolver em insuficiência renal antes que ocorram anormalidades nas concentrações de Ca e ou fosfato. Por esse motivo, tem sido recomendada a monitorização do PTH em pacientes com doença renal crônica moderada, mesmo antes de a hipofosfatemia ocorrer.

Osteodistrofia renal (mineralização óssea anormal decorrente de hiperparatireoidismo, deficiência de calcitriol, fosfato sérico elevado, ou cálcio sérico baixo ou normal) geralmente assume a forma de renovação óssea aumentada decorrente de doença óssea por hiperparatireoidismo (osteíte fibrosa), mas também pode envolver renovação óssea diminuída decorrente de doença óssea adinâmica (com supressão aumentada da paratireoide) ou osteomalacia. Deficiência de calcitriol pode causar osteopenia e osteomalacia.

pH e bicarbonato

Acidose metabólica moderada (bicarbonato plasmático de 15 a 20 mmol/L) é característica. Acidose provoca perda de massa muscular por causa do catabolismo das proteínas, perda óssea pelo tamponamento ósseo do ácido e progressão acelerada da doença renal.

Anemia

Anemia é característica de moderada a avançada ( estágio 3). A anemia da doença renal crônica é normocítica e normocrômica, com hematócrito de 20 a 30% (35 a 40% em pacientes com doença renal policística). Em geral, é causada por deficiência na produção de eritropoetina em decorrência da redução da massa renal funcional (ver página Anemias causadas por eritropoese deficiente). Outras causas incluem deficiências de ferro, folato e vitamina B12.

Sinais e sintomas de doença renal crônica

Pacientes com discreta diminuição da reserva renal são assintomáticos e a disfunção renal só pode ser detectada por exames de laboratório. Mesmo pacientes com insuficiência renal leve a moderada podem não apresentar sintomas, apesar das elevações de ureia e creatinina. Noctúria costuma ser observada, principalmente em decorrência da incapacidade de concentrar urina. Lentidão, fadiga, anorexia e diminuição da acuidade mental são geralmente as manifestações iniciais da uremia.

Na doença renal mais grave (p. ex., taxa de filtração glomerular estimada [TFGe] < 15 mL/min/1,73 m2), sintomas neuromusculares podem estar presentes, incluindo contrações musculares grosseiras, neuropatia periférica com fenômenos sensoriais e motores, cãibras musculares, hiperreflexia, síndrome das pernas inquietas e convulsões (em geral resultantes de encefalopatia hipertensiva ou metabólica).

Anorexia, náuseas, vômitos, estomatite e gosto ruim na boca estão quase que uniformemente presentes. A pele pode ser marrom-amarelada e/ou seca. Ocasionalmente, a ureia do suor se cristaliza na pele formando um sedimento urêmico. O prurido pode ser especialmente desconfortável. Desnutrição causando perda tecidual generalizada é uma característica proeminente da uremia crônica.

Na doença renal crônica avançada, podem ocorrer pericardite ulceração e sangramento gastrointestinal. Hipertensão está presente em > 80% dos pacientes com doença renal crônica avançada, e costuma estar relacionada à hipervolemia. Insuficiência cardíaca por hipertensão ou doença coronariana e retenção renal de sódio e água podem provocar edema postural e/ou dispneia.

Diagnóstico da doença renal crônica

  • Eletrólitos, ureia, creatinina, fosfato, cálcio, hemograma completo

  • Exame de urina (incluindo exame de sedimento urinário)

  • Proteína quantitativa urinária (coleta de proteína de urina de 24 horas ou razão entre proteína e creatinina na urina)

  • Ultrassonografia

  • Algumas vezes, biópsia renal

Suspeita-se de doenças renais crônicas pela elevação da creatinina sérica. O passo inicial é determinar se a insuficiência renal é aguda, crônica ou aguda sobreposta à crônica (isto é, na doença aguda que compromete ainda mais a função renal em um paciente com DRC, ver tabela Diferenciação entre lesão renal aguda e doença renal crônica). A causa da insuficiência renal também é determinada. Às vezes, determinar a duração da insuficiência renal ajuda a determinar a causa; algumas vezes, é mais fácil determinar a causa do que a duração e determinar a causa ajuda a determinar a duração.

Tabela

Em geral, o diagnóstico pode ser feito com base em história, exame físico e exames simples de laboratório, como exame de urina com avaliação microscópica, eletrólitos, ureia, creatinina, fosfato, cálcio e hemograma. Algumas vezes, são necessários exames sorológicos específicos. A diferenciação entre lesão renal aguda e doença renal crônica é principalmente auxiliada por um aumento rápido e recente na creatinina sérica ou anormalidades no exame de urina. Os achados do exame de urina dependem da natureza da doença subjacente, mas cilindros grandes (diâmetro > 3 leucócitos) ou particularmente cerosos (altamente refringentes) geralmente são proeminentes na insuficiência renal avançada de qualquer causa.

Ultrassonografia renal costuma ser útil para ajudar a avaliar a uropatia obstrutiva e a diferenciar lesão renal aguda da crônica de doença renal crônicacom base no tamanho do rim. Exceto em certas doenças (ver tabela Distinção entre lesão renal aguda e doença renal crônica), os pacientes com doença renal crônica têm diminuição do tamanho do rim por atrofia (em geral < 10 cm de comprimento), com córtex fino e hiperecoico. A obtenção de um diagnóstico preciso torna-se cada vez mais difícil na medida em que o paciente atinge a condição de doença renal em estado terminal. A ferramenta para o diagnósticos definitivo é biópsia renal, mas não é recomendada quando a ultrassonografia mostra rins fibróticos e pequenos; o alto risco do procedimento supera a baixa resposta diagnóstica.

Estágios da doença renal crônica

Classificar a doença renal crônica é uma maneira de quantificar sua gravidade. A doença renal crônica pode ser classificada em 5 estágios.

  • Estágio 1: TFG normal ( 90 mL/min/1,73 m2) mais albuminúria persistente ou doença renal hereditária ou estrutural conhecida

  • Estágio 2: TFG de 60 a 89 mL/min/1,73 m2

  • Estágio 3a: 45 a 59 mL/min/1,73 m2

  • Estágio 3b: 30 a 44 mL/min/1,73 m2

  • Estágio 4: TFG de 15 a 29 mL/min/1,73 m2

  • Estágio 5: TFG < 15 mL/min/1,73 m2

Pode-se estimar a TFG (em mL/min/1,73 m2) na DRC pela equação de creatinina (CKD-EPI 2021) da Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration:

equation,

onde

  • Scr = creatinina sérica padronizada em mg/dL

  • κ = 0,7 (mulheres) ou 0,9 (homens)

  • α = -0,241 (mulheres) ou -0,302 (homens)

  • min (Scr/k, 1) = mínimo de Scr/k ou 1,0

  • max (Scr/k, 1) = máximo de Scr/k ou 1,0

  • Idade (anos)

Em contraposição às versões anteriores, a equação mais recente não foi ajustada pela etnia, de modo a reduzir as iniquidades étnicas no diagnóstico da DRC e, portanto, em seu tratamento. Por outro lado, pode-se estimar a TFG utilizando a depuração da creatinina com coleta cronometrada de urina (mais comumente em 24 horas) que inclui a creatinina sérica e urinária mensurada; essa equação tende a superestimar a TFG em 10 a 20%. É utilizado quando a avaliação da creatinina sérica não é muito precisa (p. ex., nos pacientes sedentários, muito obesos ou muito magros). A cistatina C sérica é um marcador endógeno da TFG alternativo utilizado como um teste confirmatório em pessoas com nível de creatinina sérica afetada por fatores não renais (p. ex., massa muscular extremamente alta ou baixa, ingestão de creatina exógena, amputações ou doenças neuromusculares e dieta rica em proteína ou exclusivamente vegetariana). Calcula-se a TFG utilizando a equação CKD-EPI baseada em cistatina C.

A fórmula CKD-EPI de 2021 é mais precisa do que as fórmulas Modification of Diet in Renal Disease (MDRD) e Cockcroft-Gault, particularmente para pacientes com valores de TFG próximos dos normais. A equação de CKD-EPI produz menos resultados falso-positivos que indicam doença renal crônica e prevê resultados melhores do que as outras fórmulas.

Tratamento da doença renal crônica

  • Controle das doenças subjacentes

  • Possível restrição de proteína, fosfato e potássio na dieta

  • Suplementos de vitamina D

  • Tratamento da anemia

  • Tratamento das comorbidades que contribuem (p. ex., insuficiência cardíaca, diabetes mellitus, nefrolitíase, hipertrofia prostática)

  • Dosagens de todos os medicamentos ajustadas conforme necessário

  • Manter o nível de bicarbonato de sódio no intervalo normal (23–29 mmol/L)

  • Diálise para taxa de filtração glomerular muito diminuída se os sinais de sintomas não forem adequadamente tratados por intervenções médicas

As doenças subjacentes e os fatores contribuintes devem ser controlados. Em particular, o controle da hiperglicemia nos pacientes com nefropatia diabética e o controle da hipertensão em todos os pacientes tornam substancialmente mais lenta a redução do RFG.

Na hipertensão, algumas diretrizes sugerem uma PA alvo < 140 x 90 mmHg, mas a American Heart Association recomenda 130 x 80 mmHg e alguns autores continuam a recomendar cerca de 125 a 130/< 80 mmHg. Os iinibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA) e os bloqueadores do receptor de angiotensina (BRAs) diminuem a velocidade de declínio do RFG em pacientes com a maioria das causas de doença renal crônica, particularmente naqueles com proteinúria. Evidências cada vez maiores sugerem que, em comparação com o uso isolado de um dos medicamentos, o uso combinado de inibidores da ECA e ARBs aumenta a incidência de complicações e não desacelera o declínio da função renal, embora o uso combinado reduza mais a proteinúria. Inibidores do cotransportador de sódio-glicose-2 (SGLT2) retardam a progressão da doença renal crônica proteinúrica em pacientes com ou sem diabetes, embora esses medicamentos sejam contraindicados em pacientes com diabetes mellitus tipo 1 (1, 2).

Não há necessidade de restringir atividades, apesar da fadiga e da lassidão geralmente limitarem a capacidade do paciente de realizar exercícios.

Prurido pode responder à restrição de fosfato na alimentação e a ligantes de fosfato se o fosfato sérico está elevado.

Nutrição

A restrição de proteínas intensa nas doenças renais é controversa. Entretanto, a restrição proteica moderada (0,8 g/kg/dia) em pacientes com TFG estimada (TGFe) < 60 mL/min/1,73 m2 sem síndrome nefrótica é segura e bem tolerada pela maioria dos pacientes. Alguns especialistas recomendam 0,6 g/kg/dia para pacientes com diabetes e para aqueles sem diabetes se a TFG é < 25 mL/min/1,73 m2. Vários sintomas de uremia diminuem de forma significativa quando o catabolismo proteico e a geração de ureia são reduzidos. Além disso, a taxa de progressão da doença renal crônica pode desacelerar. Carboidratos e gordura suficientes são fornecidos para que se alcancem as necessidades energéticas e evitar a cetose. Pacientes para os quais se prescreveu < 0,8 g/kg/dia, devem ser monitorados por um nutricionista.

Em razão de as restrições alimentares poderem reduzir a ingestão de proteínas, os pacientes devem utilizar um multivitamínico contendo vitaminas hidrossolúveis. A administração de vitaminas A e E é desnecessária. As vitaminas D2 (ergocalciferol) ou D3 (colecalciferol) não são administradas de rotina, mas são utilizadas de acordo com os níveis séricos da 25-OH vitamina D e do PTH.

Deve-se tratar dislipidemia. A modificação alimentar pode ser útil para hipertrigliceridemia. Estatinas são eficazes para a hipercolesterolemia. Derivados do ácido fíbrico (clofibrato, genfibrozila) podem aumentar o risco de rabdomiólise na insuficiência renal, em especial se associados à estatina, ao passo que o ezetimibe (que reduz a absorção do colesterol) parece relativamente seguro na doença renal crônica. O objetivo da correção da hipercolesterolemia é reduzir o risco de doença cardiovascular, que aumenta em pacientes com doença renal crônica (3).

Doenças minerais e ósseas

Segundo as diretrizes atualizadas de prática clínica do KDIGO (Kidney Disease Improving Global Outcomes) 2017 (3), recomenda-se que os níveis séricos de cálcio, fosfato, PTH, 25-OH vitamina D e a atividade da fosfatase alcalina sejam monitorados a partir do estágio 3a da doença renal crônica. A frequência do monitoramento depende da gravidade da doença renal crônica, da magnitude das alterações acima e da frequência das intervenções terapêuticas. A biópsia óssea é a avaliação mais definitiva para determinar o tipo de osteodistrofia renal.

Deve-se tratar a hiperfosfatemia com

  • Restrição do fosfato alimentar

  • Aglutinantes de fosfato

Restrição fosfato de 0,8 a 1 g/dia na alimentação normalmente é suficiente para normalizar o nível sérico de fosfato nos pacientes com TFGe < 60 mL/min/1,73 m2. Ligantes de fosfato intestinais adicionais (com ou sem cálcio) podem ser necessários para o controle adequado da hiperfosfatemia, que foi associada a maior risco cardiovascular. Ligantes não contendo cálcio são preferidos em pacientes com hipercalcemia, suspeita de doença óssea adinâmica ou evidências de calcificação vascular nas imagens. Se ligantes contendo cálcio são prescritos, então as fontes totais alimentares e farmacológicas de cálcio não devem exceder 2000 mg/dia nos pacientes com TFGe < 60 mL/min/1,73 m2.

Deve-se tratar a deficiência de vitamina D com colecalciferol (vitamina D3) ou ergocalciferol (vitamina D2) para alcançar um nível sérico de 25-OH vitamina D de aproximadamente 30 a 50 ng/mL, desde que não haja hiperfosfatemia ou hipercalcemia.

O nível ideal de PTH nos pacientes com doença renal crônica nos estágios 3a a 5 que não estão em diálise não é conhecido. Entretanto, se os níveis de PTH aumentarem progressivamente ou se estiverem acentuadamente elevados (acima de 9 vezes o limite superior do normal do teste), apesar do tratamento da hiperfosfatemia e da deficiência de vitamina D, recomenda-se um análogo ativo da vitamina D (como o calcitriol). A dose inicial típica do calcitriol é de 0,25 mcg por via oral 3 vezes/semana, escalonada para manter o PTH entre 2 a 9 vezes o limite superior do normal para o teste. Os níveis de PTH não são corrigidos até o normal porque isso pode precipitar doença óssea adinâmica.

Líquidos e eletrólitos

Restrição de ingestão de água só é necessária quando a concentração sérica de sódio for < 135 mmol/L ou em caso de insuficiência cardíaca ou edema grave.

Recomenda-se restrição de sódio de < 2 g/dia para pacientes com doença renal crônica com TFGe < 60 mL/m/1,73 m2 que têm hipertensão, sobrecarga de volume ou proteinúria.

Individualiza-se a restrição de potássio com base no nível sérico, TFGe, hábitos alimentares e uso de medicamentos que aumentam os níveis de potássio (p. ex., ECA, bloqueadores dos receptores da angiotensina II ou diuréticos poupadores de potássio). Normalmente, a restrição de potássio não é necessária com TFGe > 30 mL/min/1,73 m2. Tratamento da hiperpotassemia leve a moderada (5,1 a 6 mmol/L) implica restrição alimentar (incluindo evitar substitutos do sal), correção da acidose metabólica e uso de diuréticos redutores de potássio e trocadores de cátions gastrointestinais. Hiperpotassemia grave (> 6 mmol/L) justifica o tratamento urgente.

Deve-se tratar a acidose metabólica para que o nível sérico de bicarbonato se normalize (23–29 mmol/L) e para ajudar a reverter a perda muscular e perda óssea lentas a e progressão da doença renal crônica. A acidose pode ser corrigida com fontes alcalinas orais como bicarbonato de sódio ou uma dieta de cinza alcalina (principalmente frutas e legumes). Bicarbonato de sódio 1 a 2 g por via oral duas vezes ao dia, é dado e escalonado gradualmente até que a concentração de bicarbonato seja de cerca de 23 mmol/L ou até que existam evidências de sobrecarga de sódio impedindo a continuidade do tratamento. Se a dieta com cinza alcalina é utilizada, o potássio sérico é monitorado porque frutas e verduras contêm potássio.

Anemia e distúrbios de coagulação

Anemia é uma complicação comum da doença renal crônica moderada a avançada ( estágio 3) e, quando a hemoglobina for < 10 g/dL, é tratada com agentes estimuladores da eritropoiese (ESA), como a eritropoietina humana recombinante (p. ex., epoetina alfa). Devido ao risco de complicações cardiovasculares, incluindo acidente vascular encefálico, trombose e morte, a dose mais baixa desses agentes necessária para manter a hemoglobina entre 10 e 11 g/dL é utilizada.

Em razão do aumento de utilização de ferro com o estímulo da eritropoese, os depósitos de ferro devem ser repostos, geralmente necessitando administração parenteral de ferro. As concentrações de ferro, a capacidade de ligação de ferro e a concentração de ferritina devem ser seguidas rigorosamente. A saturação alvo de transferrina (TSAT), calculada dividindo o ferro sérico pela capacidade total de ligação do ferro e multiplicando por 100%, deve ser > 20%. A ferritina alvo em pacientes que não fazem diálise é > 100 ng/mL. Não devem ser realizadas transfusões, a menos que a anemia seja grave (Hb < 8 g/dL) ou sintomática.

A tendência hemorrágica na doença renal crônica raramente necessita de tratamento. Quando necessário, podem-se utilizar crioprecipitado, transfusão de eritrócitos e desmopressina na dose de 0,3 a 0,4 mcg/kg (20 mcg, no máximo) em 20 mL de salina isotônica, intravenosa, em 20 a 30 minutos, ou estrogênios conjugados, 2,5 a 5 mg por via oral uma vez ao dia. Os efeitos desses tratamentos duram de 12 a 48 horas, exceto para estrogênios conjugados, que podem durar vários dias.

Insuficiência cardíaca

A insuficiência cardíaca sintomática é tratada com

  • Restrição de sódio

  • Diuréticos

  • Algumas vezes, diálise

Diuréticos de alça como a furosemida são eficazes, geralmente, mesmo com redução significativa da função renal, apesar de doses maiores poderem ser necessárias. Se ocorrer depressão da função ventricular esquerda, devem-se utilizar inibidores da ECA (ou BRAs) e betabloqueadores (carvedilol ou metoprolol). Recomendam-se antagonistas dos receptores da aldosterona e às vezes inibidores do cotransportador-2 de sódio-glicose (SLGT2) para os pacientes com insuficiência cardíaca avançada. Pode-se acrescentar digoxina, mas sua dose deve ser reduzida com base no grau da função renal.

A hipertensão grave ou moderada deve ser tratada para evitar seus efeitos deletérios sobre as funções cardíaca e renal. Pacientes que não respondem à restrição de sódio (1,5 g/dia), devem receber diuréticos. Pode-se combinar diuréticos de alça (p. ex., furosemida, 80 a 240 mg por via oral duas vezes ao dia) a diuréticos tiazídicos (p. ex., clortalidona 12,5 a 100 mg por via oral uma vez ao dia, hidroclorotiazida 25 a 100 mg por via oral em 1 ou 2 doses fracionadas por dia, metolazona 2,5 a 20 mg por via oral uma vez ao dia) se a hipertensão ou o edema não forem controlados. Mesmo na insuficiência renal, a associação de diurético tiazídico com diurético de alça é bastante potente e deve ser utilizada com cautela para evitar diurese excessiva.

Ocasionalmente, a diálise pode ser necessária para controlar a insuficiência cardíaca. Se a redução do volume do líquido extracelular não controlar a pressão arterial, adicionam-se anti-hipertensivos convencionais. A azotemia pode aumentar com esse tratamento e podem ser necessários para o controle adequado da insuficiência cardíaca e/ou hipertensão.

Medicamentos

A excreção renal de medicamentos costuma estar prejudicada nos pacientes com insuficiência renal. Os medicamentos comuns que necessitam de revisão de dose são penicilinas, cefalosporinas, aminoglicosídeos, fluoroquinolonas, vancomicina e digoxina. A hemodiálise reduz as concentrações séricas de alguns medicamentos, quedevem ser suplementados após a hemodiálise. Recomenda-se fortemente que os médicos consultem uma referência sobre as doses dos medicamentos na insuficiência renal antes de prescrevê-los a esses pacientes muito vulneráveis (4, 5, 6).

A maioria dos especialistas recomenda evitar AINEs (anti-inflamatórios não esteroides) em pacientes com doença renal crônica porque podem piorar a função renal, exacerbar a hipertensão e precipitar os distúrbios eletrolíticos.

Deve-se evitar completamente certos medicamentos em pacientes com doença renal crônica com TFGe < 60 mL/min/1,73m2. Estes incluem a nitrofurantoína e a fenazopiridina. O gadolínio, um agente de contraste utilizado na RM, foi associado ao desenvolvimento de fibrose sistêmica nefrogênica em alguns pacientes com TFG estimada < 30 mL/min/1,73 m2 no passado. Mais recentemente, os agentes de gadolínio classe II são considerados mais seguros e preferíveis quando o gadolínio é indicado para pacientes com TFGe < 30 ou em diálise (7).

Diálise

A diálise é geralmente iniciada com as manifestações de um dos seguintes:

  • Sintomas urêmicos (p. ex., anorexia, náuseas, vômitos, perda ponderal, pericardite, pleurite)

  • Dificuldade de controlar a sobrecarga de líquidos, a hiperpotassemia ou a acidose com medicamentos e intervenções no estilo de vida

Esses problemas geralmente ocorrem quando o RFG estimado alcança 10 mL/min em um paciente sem diabetes ou 15 mL/min em um paciente com diabetes; pacientes cujos valores de RFG estimado se aproximam desses valores devem ser monitorados cuidadosamente de tal modo que os sinais e sintomas seja reconhecidos precocemente. A diálise é mais bem antecipada de tal modo que as preparações possam ser feitas e a inserção urgente de um sonda de hemodiálise possa ser evitada. Essas preparações geralmente começam quando a doença renal crônica do paciente está no estágio 4 precoce ou leve; a preparação permite tempo para a educação do paciente, seleção do tipo de diálise e a criação hábil de uma fístula arteriovenosa ou colocação de um catéter de diálise peritoneal. (Para preparo de diálise, ver Hemodiálise.)

Dicas e conselhos

  • Começar a preparação de diálise, transplante renal, tratamento paliativo durante o estágio 4 inicial e intermediário da doença renal crônica para que haja tempo suficiente para instruir os pacientes e também para os procedimentos preparatórios associados.

Transplante

Se houver disponibilidade de doador vivo de rim, os melhores resultados a longo prazo ocorrem quando o paciente receber o rim transplantado precocemente, mesmo antes de iniciar a diálise. Pacientes que são candidatos a transplante e não têm doadores vivos devem ser colocados na lista de espera do centro de transplante regional o mais cedo possível, pois os tempos de espera podem exceder vários anos em muitas regiões dos Estados Unidos.

Referências sobre o tratamento

  1. 1. Perkovic V, Jardine MJ, Neal B, et al: Canagliflozin and renal outcomes in type 2 diabetes and nephropathy.  N Engl J Med 380(24):2295-2306, 2019. doi: 10.1056/NEJMoa1811744

  2. 2. Heerspink HJL, Stefánsson BV,  Correa-Rotter R, et al: Dapagliflozin in patients with chronic kidney disease. N Engl J Med 383(15):1436-1446, 2020. doi: 10.1056/NEJMoa2024816

  3. 3. KDIGO 2017 Clinical Practice Guidelines for the Diagnosis, Evaluation, Prevention, and Treatment of Chronic Kidney Disease–Mineral and Bone Disorder (CKD-MBD) Kidney Int Suppl 7(1):1-59, 2017.

  4. 4. Determining Drug Dosing in Adults with Chronic Kidney Disease.

  5. 5. Munar MY, Singh HD: Drug dosing adjustments in patients with chronic kidney disease. Am Fam Physician 75:1487-1496, 2007.

  6. 6. Matzke GR, Aronoff GR, Atkinson AJ, et al: Drug dosing consideration in patients with acute and chronic kidney disease—a clinical update from Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO). Kidney Int 80:1122–1137, 2011. doi:10.1038/ki.2011.322

  7. 7. ACR Committee on Drugs and Contrast Media: ACR Manual on Contrast Media. American College of Radiology. 2021. ISBN: 978-1-55903-012-0

Prognóstico da doença renal crônica

A progressão da doença renal crônica é indicada na maioria dos casos pelo grau de proteinúria. (Ver Equação de risco de insuficiência renal.) Pacientes com proteinúria nefrótica (> 3 g/24 h ou razão proteína/creatinina na urina > 3) geralmente apresentam prognóstico reservado e evoluem mais rapidamente para insuficência renal. A progressão pode ocorrer mesmo se a doença subjacente não estiver ativa. Pacientes com proteínas urinárias < 1,5 g/24 h evoluem, geralmente, de modo muito mais lento, se apresentarem alguma evolução. Hipertensão, acidose e hiperparatireoidismo também estão associados à progressão mais rápida.

Pontos-chave

  • As causas mais comuns da doença renal crônica nos Estados Unidos são nefropatia diabética (a mais comum), nefrosclerose hipertensiva, glomerulopatias e síndrome metabólica.

  • Os efeitos da doença renal crônica podem incluir hipocalcemia, hiperfosfatemia, acidose metabólica, anemia, hiperparatireoidismo secundário e osteodistrofia renal.

  • Distinguir doença renal crônica de lesão renal aguda com base na história, resultados clínicos, exames laboratoriais e ultrassonografia.

  • Controlar as doenças subjacentes (p. ex., diabetes) e níveis de PA (geralmente com um inibidor da ECA ou BRA).

  • Tratar os pacientes com doença renal crônica proteinúrica com um inibidor da ECA ou BRA, além de um inibidor do SGLT2.

  • Administrar suplementos de vitamina D e/ou bicarbonato de sódio e restringir a ingestão de potássio e fosfato conforme necessário.

  • Tratar insuficiência cardíaca, anemia e outras complicações.

  • Instruir cedo os pacientes com doença renal crônica avançada sobre as opções de tratamento (diálise, transplante renal ou tratamento paliativo) para haver tempo suficiente para o planejamento.

  • Iniciar diálise para pacientes com TFGe muito diminuída quando os sinais e sintomas são inadequadamente controlados com medicamentos e intervenções no estilo de vida.

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