Muitos fármacos (p. ex., estatinas) frequentemente causam elevações assintomáticas de enzimas hepáticas (aminotransferase aspartato AST], aminotransferase alanina ALT], fosfatase alcalina FA]). Entretanto, hepatite aguda por droga clinicamente significante (p. ex., com icterícia, dor abdominal ou prurido) ou piora nos parâmetros de função hepática, i. e., resultando em deficiente síntese proteica (p. ex., com prolongamento do tempo de protrombina TP] e/ou queda dos níveis de albumina) é rara.
O termo lesão hepática induzida por fármaco (LHIF) pode ser utilizado para caracterizar lesão com significado clínico ou, eventualmente, toda e qualquer lesão hepática (inclusive as assintomáticas). A lesão hepática farmacológica abrange as lesões causadas por ervas medicinais, plantas, suplementos nutricionais bem como fármacos e drogas ilícitas (1,2).
Referências
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Chalasani N, Bonkovsky HL, Fontana R, et al: Features and outcomes of 899 patients with drug-induced liver injury: The DILIN prospective study. Gastroenterology 148(7):1340-1352, 2015.
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Navarro VJ, Barnhart H, Bonkovsky HL, et al: Liver injury from herbals and dietary supplements in the U.S. Drug-Induced Liver Injury Network. Hepatology 60(4):1399-1408, 2014.
Fisiopatologia
A fisiopatologia da LHIF varia na dependência do fármaco (ou outra hepatotoxina) envolvida e, em muitos casos, não é totalmente compreendida. Os mecanismos do desenvolvimento de LHID incluem ligação covalente do fármaco a proteínas celulares resultando em lesão imunitária, inibição de vias metabólicas celulares, bloqueio de bombas de transporte, indução de apoptose e interferência na função mitocondrial.
Em geral, os seguintes são considerados como agravantes do risco de LHIF:
Padrões de lesão hepática
DILI pode ser previsível (quando a lesão ocorre imediatamente após a exposição a determinada droga) ou imprevisível (quando a lesão se desenvolve após período de latência e não tem relação com a dose administrada). LHIF previsível (em geral, intoxicação por paracetamol) é uma causa comum de icterícia grave e insuficiência hepática grave nos EUA. LHIF imprevisível é uma causa rara de doença hepática grave. LHIF subclínica pode ser muito mais frequente que o relatado.
Fármacos potencialmente hepatotóxicos
Bioquimicamente, 3 tipos de lesão hepática podem ser observados ( Fármacos potencialmente hepatotóxicos):
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Hepatocelular: hepatotoxicidade hepatocelular geralmente se manifesta com mal-estar e dor em hipocôndrio direito associados a grande elevação das aminotransferases (AST, ALT, ou ambas), o que pode ser seguido de hiperbilirrubinemia nos casos mais graves. Hiperbilirrubinemia, nesse contexto, é considerada como icterícia hepatocelular e, de acordo com a lei de Hy, associada a mortalidade superior a 50%. Se a lesão hepatocelular é acompanhada de icterícia, comprometimento da função de síntese e encefalopatia, então a chance de regeneração e restabelecimento é baixa e o transplante de fígado deve ser considerado. Esse tipo de lesão pode ocorrer com fármacos do tipo isoniazida e paracetamol.
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Colestática: hepatotoxicidade colestática é caracterizada pelo desenvolvimento de prurido e icterícia acompanhados por grande elevação dos níveis das enzimas canaliculares. Em geral, esse tipo de lesão é menos grave que a lesão hepatocelular, mas a recuperação pode ser lenta. Substâncias conhecidas por determinar esse tipo de lesão incluem amoxicilina/clavulanato e clorpromazina. Raramente uma hepatotoxicidade colestática pode evoluir como doença hepática crônica, progredindo então para uma síndrome ductopênica.
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Mistas: nestas síndromes clínicas não há predomínio na elevação nem das aminotransferases e nem da fosfatase alcalina. Os sintomas também podem ser misturados. Fármacos como a fenitoína podem causar esse tipo de lesão.
Diagnóstico
A apresentação varia enormemente, desde a ausência de sintomas ou sintomas inespecíficos e gerais (p. ex., mal-estar, náuseas e anorexia) até icterícia, piora da função de síntese do fígado e encefalopatia. O rápido reconhecimento de que se trata de LHIF melhora dramaticamente o prognóstico.
Identificação de uma hepatotoxina potencial e um padrão de alterações no exame hepático características de determinada substância (sua “assinatura”) tornam o diagnóstico provável.
Em razão de não haver exame laboratorial diagnóstico, outras causas de doença hepática, especialmente virais, biliares, alcoólicas, autoimunes e metabólicas, devem ser excluídas. A readministração de fármacos, embora possa aumentar as evidências para o diagnóstico, deve ser evitada. Os casos suspeitos de LHIF devem ser relatados ao MedWatch (programa de monitoramento de reações adversas a fármacos da FDA).
Tratamento
Enfatiza-se que a retirada precoce do agente agressor resulta, em geral, em recuperação. Em casos graves, a consulta a um especialista deve ser indicada, em particular se o paciente apresentar icterícia hepatocelular e comprometimento da função de síntese, já que o transplante de fígado poderá ser a opção terapêutica a ser considerada. Antídotos para LHIF estão disponíveis apenas para algumas hepatotoxinas; esses antídotos incluem N-acetilcisteína para a toxicidade por paracetamol e silimarina ou penicilina para toxidade por Amanita phalloides.
Prevenção
Esforços para evitar LHIF têm início nas fases iniciais e em todo o processo do desenvolvimento de um fármaco, ainda que a aparente segurança em pequenos grupos de estudo não assegure a segurança de um fármaco após sua liberação no mercado e sua larga utilização. Vigilância pós-comercialização, agora cada vez mais obrigatória pela FDA, pode apontar fármacos potencialmente hepatotóxicas.
O National Institute of Diabetes and Digestive and Kidney Diseases (NIDDK) estabeleceu o banco de dados LiverTox para coletar e analisar casos de lesão hepática grave causada por fármacos prescritos, fármacos de venda livre e fármacos alternativos, como produtos fitoterápicos e suplementos alimentares. Este é um banco de dados pesquisável que fornece informações facilmente acessíveis e precisas sobre hepatotoxicidade conhecida relacionada a fármacos e suplementos.
O monitoramento rotineiro das enzimas hepáticas não demonstrou redução da incidência de DILI. O uso da farmacogenômica pode permitir ajustar o uso de fármacos e prevenir potenciais toxicidades em pacientes suscetíveis.
Pontos-chave
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Fármacos têm muito mais probabilidade de causar uma anomalia assintomática na função hepática do que danos ou disfunções hepáticas clinicamente evidentes.
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Fatores de risco de lesão hepática induzida por fármacos (LHIF) incluem idade ≥ 18 anos, obesidade, gestação, consumo concomitante de álcool e certos polimorfismos genéticos.
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A LHIF pode ser previsível, relacionada a doses ou imprevisível e não relacionada a doses.
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A DILI pode ser hepatocelular, colestática (geralmente menos grave do que hepatocelular) ou mista.
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Para confirmar o diagnóstico, excluir outras causas da doença hepática, especialmente doenças virais, biliares, alcoólicas, autoimunes e metabólicas.
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Não reexpor os pacientes a fármacos suspeitos de causar DILI.