(Ver também Visão geral da síndrome nefrótica.)
O diagnóstico da GNRP, um tipo de síndrome nefrítica, é patológico e acompanhado por formação extensa de crescentes glomerulares (> 50% das amostras dos glomérulos contém crescentes que podem ser observados na biópsia) e, se não tratada, evolui para doença renal terminal em semanas a meses. É relativamente incomum, afetando 10 a 15% dos pacientes com glomerulonefrite (GN), e ocorre predominantemente entre 20 e 50 anos de idade. Classificam-se os tipos e as causas de acordo com os achados observados na microscopia imunofluorescente e testes serológicos (p. ex., anticorpos anti-MBG, anticorpos citoplasmáticos antineutrófilos [ANCA]— Classificação da glomerulonefrite rapidamente progressiva com base em microscopia por imunofluorescência).
Classificação da glomerulonefrite rapidamente progressiva com base em microscopia por imunofluorescência
Tipo |
Porcentagem de casos de GNRP |
Causas |
Tipo 1: anticorpos mediados por anti-MBG |
≤ 10% |
Glomerulonefrite anti-MBG (sem hemorragia pulmonar*) Síndrome de Goodpasture (com hemorragia pulmonar) |
Tipo 2: imunocomplexos |
≤ 40% |
Causas pós-infecciosas: Doenças do tecido conjuntivo:
Outras glomerulopatias: |
Tipo 3: pauci-imune |
≤ 50% |
Granulomas necrotisantes pulmonares (p. ex., granulomatose com poliangiite) Doença limitada ao rim (p. ex., glomerulonefrite em crescente idiopática) |
Tipo 4: positiva para duplo anticorpo |
Raro |
As mesmas dos tipos 1 e 3 |
*Quando o pulmão também é afetado, a glomerulonefrite anti-MBG é chamada síndrome de Goodpasture. |
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MBG = membrana basal glomerular; GN = glomerulonefrite; GNRP = glomerulonefrite rapidamente progressiva. |
Doença do anticorpo antimembrana basal antiglomerular
Doença de anticorpo antimembrana basal glomerular (MBG) (GNRP tipo1) é uma GN autoimune que corresponde a 10% dos casos de GNRP. Pode surgir quando a exposição respiratória (p. ex., fumaça de cigarros, infecções da via respiratória superior virais) ou a alguns outros estímulos expõe o colágeno dos capilares alveolares, desencadeando a formação de anticorpos anticolágeno. Os anticorpos anticolágeno apresentam reação cruzada com a MBG, fixando o complemento e desencadeando uma resposta inflamatória mediada por células nos rins e geralmente nos pulmões.
O termo síndrome de Goodpasture refere-se a uma combinação de GN e hemorragia alveolar na presença de anticorpos anti-MBG. GN sem hemorragia alveolar na presença de anticorpos anti-MBG é chamada glomerulonefrite anti-MBG. A coloração por imunofluorescência da biópsia de tecido renal demonstra depósitos lineares de IgG.
GNPR por imunocomplexos
GNRP por imunocomplexos (GNRP tipo 2) complica numerosas infecções e doenças do tecido conjuntivo e também ocorre em outras glomerulopatias primárias.
A coloração na imunofluorescência demonstra depósitos granulares imunes inespecíficos. Essa condição contribui para 40% dos casos de GNRP. A patogênese geralmente é desconhecida.
GNPR pauci-imune
GNRP pauci-imune (GNRP tipo 3) é diferenciada pela ausência de imunocomplexos ou deposição de complemento na coloração por imunofluorescência. Constitui até 50% de todos os casos de GNRP. Quase todos os pacientes apresentam anticorpos citoplasmáticos antineutrófilos elevados (ANCAs, geralmente ANCA-3 antiproteinase ou ANCA-mieloperoxidase) e vasculite sistêmica.
Doença de anticorpos duplos
GNPR idiopática
Sinais e sintomas
A apresentação geralmente é insidiosa, com fraqueza, fadiga, febre, náuseas, vômitos, anorexia, artralgia e dor abdominal. Alguns pacientes apresentam semelhança com a GNPI com hematúria de início abrupto. Cerca de 50% dos pacientes apresentam edema e história de doença aguda semelhante à influenza cerca de 4 semanas antes do início da insuficiência renal, geralmente seguida de oligúria intensa. A síndrome nefrótica está presente em 10 a 30%. A hipertensão é pouco comum e raramente grave. Pacientes com doença de anticorpos anti-MBG podem ter hemorragia pulmonar, que pode se apresentar como hemoptise ou ser detectável apenas por infiltrados alveolares difusos na radiografia de tórax (síndrome pulmonar-renal ou síndrome de hemorragia alveolar difusa).
Diagnóstico
O diagnóstico é sugerido por lesão renal aguda em pacientes com hematúria e eritrócitos dismórficos ou cilindros hemáticos. Os exames incluem creatinina sérica, exame de urina, hemograma, testes sorológicos e biópsia renal. O diagnóstico habitualmente é feito pelos testes sorológicos e pela biópsia renal.
A creatinina sérica está quase sempre elevada.
O exame de urina mostra que hematúria sempre está presente, e cilindros hemáticos normalmente estão presentes. Sedimentos “telescópicos” (sedimento com múltiplos elementos, incluindo leucócitos, eritrócitos dismórficos e cilindros leucocitários, hemáticos, granulares, serosos e grandes) são comuns.
No hemograma anemia sempre está presente, e leucocitose é comum.
Os exames sorológicos devem incluir anticorpos anti-MBG (doença de anticorpos anti-MBG); anticorpos antiestreptolisina O, anticorpos anti-DNA, ou crioglobulinas (GNRP por imunocomplexos) e títulos de ANCA (GNRP pauci-imune).
A dosagem do complemento pode ser útil se houver suspeita de GNRP por imunocomplexos porque hipocomplementemia é comum.
A biópsia renal precoce é essencial. A característica comum a todos os tipos de GNRP é a proliferação focal de células epiteliais glomerulares, algumas vezes entremeadas por numerosos neutrófilos, que formam uma massa celular em crescente (crescentes) que preenche o espaço de Bowman em > 50% dos glomérulos. O tufo glomerular geralmente aparece hipocelular e colapsado. Pode haver necrose no interior do tufo ou envolvendo o crescente, podendo ser a anormalidade mais proeminente. Nesses pacientes, devem-se pesquisar evidências histológicas de vasculite.
Os resultados da microscopia com imunofluorescência diferem para cada tipo:
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Na doença de anticorpos anti-MBG (tipo 1), a deposição linear ou em fita de IgG ao longo da MBG é mais proeminente e geralmente é acompanhada por deposição linear e algumas vezes granular de C3.
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Na GNRP por imunocomplexos (tipo 2), a imunofluorescência revela depósitos difusos mesangiais de IgG e C3, irregulares.
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Na GNRP pauci-imune (tipo 3), não são detectados coloração imunitária ou depósitos. Entretanto, há presença de fibrina nos crescentes, independentemente do padrão de fluorescência.
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Na GNRP de duplo anticorpo (tipo 4), há coloração linear da MBG (semelhante ao tipo 1).
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Na GNRP idiopática, alguns pacientes apresentam complexos imunitários (semelhantes aos do tipo 2) e outros apresentam ausência de coloração imunitária e depósitos (semelhantes ao tipo 3).
Prognóstico
A remissão espontânea é rara e 80 a 90% dos pacientes não tratados evoluem para doença renal em estágio terminal em 6 meses. O prognóstico melhora com o tratamento precoce.
Os fatores prognósticos favoráveis de resposta incluem GNRP causada pelos seguintes:
Os fatores prognósticos desfavoráveis incluem os seguintes:
Cerca de 30% dos pacientes com GNRP pauci-imune não respondem ao tratamento; entre os não respondedores, 40% necessitam de diálise e cerca de 33% morrem em 4 anos. Em contraste, entre os pacientes que respondem ao tratamento, < 20% necessitam de diálise e ao redor de 3% morrem.
Pacientes com doença de anticorpos duplos parecem ter um prognóstico renal relativamente melhor do que os pacientes somente com doença de anticorpos antimembrana basal e pior do que os pacientes com GNRP pauci-imune.
Os pacientes que recuperam a função renal normal após GNRP demonstram alterações histológicas residuais principalmente nos glomérulos, consistindo principalmente em hipercelularidade, com pouca ou nenhuma esclerose dentro do tufo glomerular ou das células epiteliais e fibrose mínima do interstício.
A morte habitualmente decorre de infecções ou causas cardíacas, desde que a morte por uremia seja evitada pela diálise.
Tratamento
O tratamento varia de acordo com o tipo da doença, apesar de não haver esquemas estudados com rigor. Deve ser instituído precocemente, de preferência quando a creatinina sérica estiver < 5 mg/dL e antes da biópsia mostrar envolvimento em crescente de todos os glomérulos ou crescentes em organização, assim como também interstício fibrótico e atrofia tubular. Deve-se tratar mesmo os pacientes com comprometimento renal e níveis mais altos de creatinina agressivamente se não exigem terapia de substituição renal. O tratamento torna-se menos eficaz na medida em que essas características se tornam mais proeminentes e pode ser lesivo em algumas populações (p. ex., pacientes idosos ou com infecção).
O tratamento varia de acordo com o tipo da doença, apesar de não haver esquemas estudados com rigor.
Corticoides e ciclofosfamida costumam ser adiministrados. Para as GNRP por imunocomplexos e GNRP pauci-imune, o uso de corticoides (metilprednisolona, 1 g, intravenosa, 1 vez/dia, em 30 min, durante 3 a 5 dias, seguida de prednisona, 1 mg/kg, VO, 1 vez/dia) pode reduzir a creatinina sérica ou retardar a diálise por > 3 anos ou mais em 50% dos pacientes.
Ciclofosfamida, 1,5 a 2 mg/kg, VO uma vez ao dia, também pode beneficiar pacientes ANCA-positivos; os esquemas com pulsos mensais podem causar menos efeitos adversos (p. ex., leucopenia, infecção) do que a terapia oral devido a dosagem cumulativa reduzida, mas seu papel não está definido. Prednisona e ciclofosfamida são normalmente iniciadas de maneira concomitante com a plasmaferese para doença de anticorpos anti-MBG e continuadas para minimizar a formação de novos anticorpos. Pacientes com doença idiopática são geralmente tratados com corticoides e ciclofosfamida, mas dispõem-se de poucos dados sobre a eficácia.
Plasmaférese (trocas diárias de 3 a 4 L durante 14 dias) é recomendada para a doença de anticorpos anti-MBG. A plasmaférese também deve ser considerada para GNPR por imunocomplexos e pauci-imune associada a ANCA com hemorragia pulmonar ou disfunção renal grave na apresentação (creatinina sérica > 5 a 7 mg/dL ou dependência de diálise). Acredita-se que a plasmaférese é eficaz porque remove rapidamente anticorpos livres, imunocomplexos intactos e mediadores de inflamação (p. ex., fibrinogênio, complemento).
Terapia imunossupressora agressiva também pode ser benéfica para pacientes com níveis mais elevados de creatinina. Plasmaférese combinada com prednisona e ciclofosfamida beneficiou pacientes com envolvimento renal que não exigem terapia de substituição renal imediata, mesmo que os níveis de creatinina estivessem acima de 5 a 7 mg/dL (1).
Linfocitaférese, uma técnica para remoção dos linfócitos periféricos da circulação, pode beneficiar os pacientes com GNRP pauci-imune, mas ainda é necessária mais investigação.
O transplante de rim é eficaz para todos os tipos, mas a doença pode reincidir no rim transplantado; o risco diminui com o tempo. Na doença por anticorpos anti-MBG, os títulos de anticorpos anti-MBG devem permanecer indetectáveis por pelo menos 12 meses antes do transplante. Para pacientes com GNPR pauci-imune, a atividade da doença deve ser quiescente por pelo menos 6 meses antes do transplante; os títulos de ANCA não precisam ser suprimidos.
Referência sobre o tratamento
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Levy JB, Turner AN, Rees AJ, et al: Long-term outcome of antiglomerular basement membrane antibody disease treated with plasma exchange and immunosuppression. Ann Intern Med 134(11):1033-1042, 2001.
Pontos-chave
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Considerar GNPR se os pacientes têm lesão renal aguda com hematúria e eritrócitos dismórficos ou cilindros hemáticos, particularmente com sintomas constitucionais ou inespecíficos subagudos (p. ex., fadiga, febre, anorexia, artralgia, dor abdominal).
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Fazer testes sorológicos e biópsia renal precoce.
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Iniciar o tratamento precocemente com corticoides e ciclofosfamida e, frequentemente, plasmaférese.
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Considerar transplante renal após a atividade da doença ser controlada.