Náusea, uma sensação desagradável de ter que vomitar, representa a percepção de estímulos aferentes (incluindo tônus parassimpático aumentado) para o centro de vômitos medular. Vômito consiste na expulsão forçada do conteúdo gástrico produzida por contrações involuntárias da musculatura abdominal quando o fundo gástrico e o esfíncter inferior do esôfago estão relaxados.
Os vômitos devem ser diferenciados de regurgitação, a eliminação do conteúdo gástrico sem náuseas associadas ou contrações musculares abdominais forçadas. Pacientes com acalasia, síndrome de ruminação ou divertículo de Zenker podem regurgitar alimentos não digeridos sem náuseas.
Náuseas e vômitos em lactentes e crianças são discutidos em outras partes.
Complicações
Vômito intenso pode causar desidratação sintomática e anormalidades eletrolíticas (normalmente alcalose metabólica com hipopotassemia) ou, raramente, laceração esofágica parcial (Mallory-Weiss) ou total (síndrome de Boerhaave).
Se o paciente estiver inconsciente ou apenas parcialmente consciente, o vômito pode ser inalado (broncoaspirado). O ácido no vômito pode irritar seriamente os pulmões, causando pneumonia de aspiração.
Vômito crônico pode resultar em desnutrição, perda ponderal e alterações metabólicas.
Etiologia
As náuseas e vômitos ocorrem em resposta a determinadas condições que afetam o centro do vômito. Alguns desses quadros se originam no trato gastrointestinal (GI) ou no sistema nervoso central (SNC), ou podem resultar de várias doenças sistêmicas ( Algumas causas de náuseas e vômitos).
As causas mais comuns de náuseas e vômitos são:
A síndrome de vômito cíclico (SVC) é um distúrbio incomum caracterizado por ataques intensos e discretos de vômito ou, às vezes, apenas náuseas que ocorrem em intervalos variáveis, com saúde normal entre os episódios e nenhuma anormalidade estrutural demonstrável. É mais comum durante a infância (a média de idade de início é 5 anos) e tende à remissão com a idade adulta. Vômitos cíclicos em adultos podem ocorrer com o uso regular da maconha (Cannabis) (síndrome de hiperêmese da maconha); os vômitos podem ser aliviados por um banho quente e desaparecem após a interrupção do uso da maconha.
Náuseas e vômitos crônicos são um distúrbio funcional caracterizado pela ocorrência dos sinais e sintomas por pelo menos 6 meses, incluindo os últimos 3 meses. Náuseas e/ou vômitos incômodos ocorrem pelo menos 1 vez por semana. Esse transtorno deve ser considerado nos pacientes que, após a investigação de rotina (incluindo a endoscopia alta), não têm evidências de doença orgânica, sistêmica ou metabólica passíveis de explicar os sinais e sintomas e para os pacientes para os quais a indução dos vômitos, os transtornos alimentares, a regurgitação e a ruminação (1) foram descartados.
Algumas causas de náuseas e vômitos
Causa |
Achados sugestivos* |
Abordagem diagnóstica |
Distúrbios gastrointestinais |
||
Obstipação, distensão, timpanismo à percussão Frequentemente vômito bilioso, cicatrizes cirúrgicas abdominais ou hérnia |
Radiografias do abdome, em ortostatismo e supino |
|
Vômitos, diarreia Exame abdominal benigno |
Avaliação clínica |
|
Gastroparesia ou íleo paralítico |
Regurgitação de alimentos parcialmente digeridos poucas horas após a ingestão Frequente em diabéticos com glicemia alta ou depois de cirurgia abdominal |
Radiografias do abdome, em ortostatismo e supino Algumas vezes, exame de imagem do esvaziamento gástrico |
Náusea leve a moderada durante muitos dias, às vezes, vômitos Icterícia, anorexia, mal-estar Às vezes, sensibilidade leve em relação ao fígado |
Aminotransferase sérica, bilirrubina, títulos do vírus da hepatite |
|
Víscera perfurada ou outra causa de abdome agudo (p. ex., apendicite, colecistite, pancreatite) |
Dor abdominal significativa Normalmente, sinais peritoniais |
|
Ingestão de substâncias tóxicas |
Geralmente aparente com base na história |
Varia de acordo com a substância |
Doenças do sistema nervoso central (SNC) |
||
Trauma contuso da cabeça |
Aparente com base na história |
TC do crânio |
Hemorragia do sistema nervoso central |
Dor de cabeça de início súbito, alteração do estado mental Frequentemente, sinais meníngeos |
TC do crânio Punção lombar se a tomografia computadorizada estiver normal |
Infecção do sistema nervoso central |
Dor de cabeça de início gradual Muitas vezes sinais meníngeos, alteração do estado mental Às vezes erupção petequial* decorrente de meningococcemia |
TC do crânio Punção lombar |
Pressão intracraniana reduzida (p. ex., causada por hematoma ou tumor) |
Dor de cabeça, alteração do estado mental Às vezes, déficits neurológicos focais |
TC do crânio |
Vertigem, nistagmo, sintomas que pioram com o movimento Às vezes, tinido |
||
Dor de cabeça algumas vezes precedida ou acompanhada de aura neurológica ou fotofobia Muitas vezes, história de crises similares recorrentes Em pacientes com enxaqueca conhecida, possível desenvolvimento de outras doenças do sistema nervoso central |
Avaliação clínica Tomografia computadorizada do crânio e punção lombar são consideradas caso a avaliação não esteja clara |
|
Aparente com base na história |
Avaliação clínica |
|
Transtornos psicogênicos (como anorexia e bulimia nervosa) |
Ocorrendo com estresse Comer alimento considerado repulsivo |
Avaliação clínica |
Condições sistêmicas |
||
Câncer avançado (independente de quimioterapia ou obstrução intestinal) |
Aparente com base na história |
Avaliação clínica |
Poliúria, polidipsia Muitas vezes, desidratação significativa Com ou sem história de diabetes |
Glicose sérica, eletrólitos, cetonas |
|
Efeito adverso ou toxicidade a fármaco |
Aparente com base na história |
Varia de acordo com a substância |
Insuficiência hepática ou renal |
Muitas vezes aparente com base na história Asterix (flapping) Muitas vezes icterícia na doença hepática avançada, odor urêmico na insuficiência renal |
Testes laboratoriais da função hepática e renal Nível de amônia no sangue |
Gestação |
Ocorre frequentemente pela manhã ou é desencadeado pela alimentação Exame benigno (possivelmente desidratação) |
Teste de gestação |
Aparente com base na história |
Avaliação clínica |
|
Dor intensa (p. ex., decorrente de cálculo renal) |
Varia de acordo com a causa |
Avaliação clínica |
*Algumas vezes, os vômitos com esforço (causados por qualquer distúrbio ou doença) causam petéquias na parte superior do tronco superior e na face, podendo se assemelhar à meningococcemia. Pacientes com meningococcemia em geral ficam muito enfermos, ao passo que aqueles com petéquias causadas por vômitos parecem ficar bem. |
Referência sobre etiologia
-
1. Stanghellini V, Chan FK, Hasler WL, et al: Gastroduodenal disorders. Gastroenterology 150(6):1380–1392, 2016. doi: 10.1053/j.gastro.2016.02.011.
Avaliação
História
História da doença atual deve detectar a frequência e duração do vômito; sua relação com possíveis fatores precipitantes, como ingestão de fármacos ou toxinas, lesão na cabeça e movimento (i.e., viagens de carro, avião, barco, brinquedos de parques de diversões); e se o vômito contém bile (substância amarga, amarelo-esverdeada) ou sangue (material vermelho ou “em borra de café”). Sinais e sintomas importantes associados são dor abdominal e diarreia, parada de eliminação de gases ou fezes, cefaleia, vertigem ou ambas.
A revisão dos sistemas busca sintomas dos distúrbios causadores, como amenorreia e aumento mamário (gestação), poliúria e polidipsia (diabetes) e hematúria e dor no flanco (nefrolitíase).
História clínica anterior deve incluir causas conhecidas, como gestação, diabetes, enxaqueca, doença hepática ou renal, câncer (incluindo a data de realização de quimioterapia ou radioterapia) e cirurgia abdominal prévia (que pode causar obstrução intestinal pelas aderências). Todos os fármacos e substâncias ingeridas recentemente devem ser averiguados; algumas substâncias podem não manifestar toxicidade até diversos dias após a ingestão (p. ex., paracetamol, alguns cogumelos).
Devem-se verificar a história familiar de vômitos recorrentes.
Exame físico
A verificação dos sinais vitais deve observar especificamente a presença de febre ou hipovolemia (p. ex., taquicardia, hipotensão ou ambos).
O exame geral deve procurar icterícia ou erupções cutâneas.
No exame abdominal, o médico deve procurar por distensões e cicatrizes cirúrgicas; ausculte se há ruídos intestinais e qual sua qualidade (normais, agudos); percuta procurando por timpanismo; e palpe em busca de áreas doloridas, achados peritoneais (p. ex., reação de defesa, rigidez, sensibilidade à descompressão) e qualquer massa, organomegalia ou hérnias. Exame de toque retal e (em mulheres) exame ginecológico para localizar sensibilidades, massas e sangue são essenciais.
O exame neurológico deve observar especificamente o estado mental, nistagmo, sinais de meningite (i.e., rigidez no pescoço, sinais de Kernig ou Brudzinski) e sinais oculares de aumento da pressão intracraniana (p. ex., papiledema, ausência de pulso venoso, paralisia do 3º nervo craniano) ou hemorragia subaracnoide (hemorragia retiniana).
Sinais de alerta
Interpretação dos achados
Muitos achados são sugestivos de uma causa ou grupo de causas ( Algumas causas de náuseas e vômitos).
Vômitos que ocorrem logo após a ingestão de fármacos ou toxinas ou exposição ao movimento em um paciente com exame neurológico e abdominal normal podem ser atribuídos de maneira confiável a essas causas, assim como também os vômitos em uma mulher com gestação conhecida e exame benigno. É muito provável que o vômito agudo acompanhado de diarreia em um paciente saudável com exame benigno seja causado por uma gastroenterite infecciosa; uma avaliação mais detalhada pode ser adiada.
Os vômitos podem ocorrer quando se pensa em comer ou não têm relação temporal com a alimentação, sugerindo assim uma causa psicogênica, do mesmo modo que história familiar de náuseas e vômitos funcionais. Os pacientes devem ser inquiridos sobre relação de vômitos e eventos estressantes, já que podem não reconhecer a associação ou mesmo admitir que se sintam perturbados durante essas ocasiões.
Exames
Todas as mulheres em idade gestacional devem ser submetidas a teste urinário de gestação. Os pacientes com vômitos intensos, vômitos por mais de 1 dia ou sinais de desidratação ao exame físico devem fazer exames laboratoriais (como eletrólitos, nitrogênio ureico, creatinina, glicose, exame de urina e, às vezes, provas de função hepática). Pacientes com sintomas ou sinais alarmantes devem ser submetidos a testes de acordo com seus sintomas ( Algumas causas de náuseas e vômitos).
A avaliação de vômitos crônicos geralmente inclui os testes laboratoriais previamente citados, além de endoscopia digestiva alta, radiografias do intestino delgado e exames para averiguar o esvaziamento gástrico e a motilidade antroduodenal.
Tratamento
Condições específicas, incluindo desidratação, devem ser tratadas. Mesmo sem desidratação significativa, o tratamento com líquidos intravenosos (solução fisiológica a 0,9%, 1 L ou 20 mL/kg em crianças) geralmente provocam a melhora dos sintomas. Em adultos, diversos antieméticos são eficazes ( Alguns fármacos orais para os vômitos). A escolha do agente varia com a causa e a gravidade dos sintomas. A utilização normalmente é feita como segue:
Somente agentes parenterais ou sublinguais devem ser usados para os pacientes com vômitos ativos.
Para vômitos psicogênicos, a reafirmação indica a consciência do desconforto do paciente e o desejo de trabalhar para o alívio dos sintomas, independentemente da causa. Comentários como “não há nada de errado” ou “o problema é emocional” devem ser evitados. Tratamento sintomático breve com antieméticos pode ser tentado. Caso haja necessidade de manuseio mais longo, visitas regulares ao consultório para suporte podem ajudar a resolver o problema de base.