(Ver também Visão geral da função adrenal.)
Etiologia
A hiperfunção do córtex adrenal pode ser dependente do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) ou independente de ACTH.
Hiperfunção dependente de ACTH pode resultar de
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Hipersecreção de ACTH pela hipófise (doença de Cushing)
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Secreção de ACTH por um tumor não hipofisário, como carcinoma de pequenas células do pulmão ou tumor carcinoide (produção ectópica de ACTH)
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Administração de ACTH exógeno.
Hiperfunção independente de ACTH pode resultar de
Causas raras da hiperfunção dependente de ACTH incluem displasia primária nodular pigmentada das adrenais (geralmente, em adolescentes) e displasia macronodular (em pacientes mais velhos).
A denominação síndrome de Cushing denota o quadro clínico resultante do excesso de cortisol resultante de qualquer causa, ao passo que doença de Cushing refere-se à hiperfunção do córtex adrenal em decorrência do excesso de ACTH hipofisário. Pacientes com doença de Cushing habitualmente apresentam um pequeno adenoma na hipófise.
Sinais e sintomas
Manifestações clínicas da síndrome de Cushing incluem
Há desgaste muscular e fraqueza. A pele é fina e atrófica, com má cicatrização de ferimentos e facilidade para formar hematomas. Estrias violáceas podem surgir no abdome. Hipertensão, cálculos renais, osteoporose, intolerância à glicose, diminuição da resistência a infecções e distúrbios mentais são comuns. A cessação do crescimento linear é característica em crianças.
Mulheres geralmente apresentam irregularidades menstruais. Em mulheres com tumores adrenais, o aumento da produção de andrógenos pode causar hirsutismo, calvície temporária e outros sinais de virilismo.
Diagnóstico
A suspeita diagnóstica habitualmente baseia-se em sinais e sintomas clínicos característicos. Confirmação (e investigação da causa subjacente) geralmente requer exames hormonais e de imagem.
Mensuração de cortisol urinário livre
Em alguns centros, os exames iniciam-se com a medida do cortisol urinário livre, o melhor ensaio de excreção urinária (normal, de 20 a 100 mcg/24 horas [55,2 a 276 nmol/24 h]). O cortisol urinário livre é elevado (> 120 mcg/24 horas > 331 nmol/24 h]) em quase todos os pacientes com síndrome de Cushing. Entretanto, vários pacientes com elevações de cortisol urinário livre entre 100 e 150 mcg/24 horas (276 e 414 nmol/24 h) apresentam obesidade, depressão ou síndrome de ovários policísticos, mas não síndrome de Cushing.
Um paciente com suspeita de síndrome de Cushing, com concentração muito elevada de cortisol urinário livre (> 4 vezes o limite superior da normalidade), quase certamente apresenta síndrome de Cushing. Duas a três coletas normais geralmente excluem o diagnóstico. Níveis ligeiramente elevados costumam exigir investigação mais aprofundada, assim como os níveis normais quando a suspeita clínica é alta.
Também deve-se medir o cortisol sérico basal (p. ex., às 9 da manhã).
Teste de supressão com dexametasona
Uma abordagem alternativa para a investigação vale-se do teste de dexametasona, em que 1, 1,5 ou 2 mg de dexametasona são administrados, por via oral, entre 23 e 0 h, e o cortisol plasmático é medido das 8 às 9 horas da manhã seguinte. Na maioria dos pacientes normais, esse fármaco diminui o cortisol sérico matinal para < 1,8 mcg/dL (< 50 nmol/L), ao passo que os pacientes com síndrome de Cushing praticamente sempre apresentam níveis mais elevados. Um teste mais específico, porém igualmente sensível, é a administração de 0,5 mg de dexametasona, por via oral, a cada 6 horas, por 2 dias (baixa dose). Em geral, uma incapacidade evidente de suprimir as concentrações de cortisol em resposta à baixa dose de dexametasona estabelece o diagnóstico.
Medições de cortisol à meia-noite
Se os resultados das medições de cortisol urinário livre e do teste de supressão com dexametasona são indeterminados, o paciente é hospitalizado para a medição de cortisol sérico à meia-noite, que provavelmente é mais conclusivo. Alternativamente, amostras de cortisol na saliva podem ser recolhidas e armazenadas na geladeira em casa. O cortisol sérico normalmente varia de 5 a 25 mcg/dL (138 a 690 nmol/L) no início da manhã (6 a 8 h) e diminui gradualmente para < 1,8 mcg/dL (< 50 nmol/L) à meia-noite. Pacientes com síndrome de Cushing às vezes têm nível de cortisol normal pela manhã, mas não têm um declínio diurno normal na produção de cortisol, de tal modo que os níveis de cortisol sérico à meia-noite estão acima do normal e a produção total de cortisol de 24 horas pode ser elevada.
O cortisol sérico pode estar ficticiamente elevado nos pacientes com aumento congênito da globulina transportadora de corticoides ou fazendo tratamento com estrogênio, mas a variação diurna é normal nesses pacientes.
Medição de ACTH no plasma
As concentrações de ACTH são medidas para determinar a causa da síndrome de Cushing. Concentrações indetectáveis, tanto de modo basal quanto particularmente em resposta ao CRH, sugerem causa adrenal primária. Níveis elevados sugerem causa hipofisária ou fonte ectópica. Se as concentrações de ACTH forem detectáveis, os testes provocativos auxiliam a diferenciar a doença de Cushing da secreção ectópica de ACTH, que é mais rara. Em resposta a altas doses de dexametasona (2 mg VO a cada 6 h, por 48 h), o cortisol sérico às 9 horas cai > 50% na maioria dos pacientes com doença de Cushing, mas raramente naqueles com síndrome ectópica de produção de ACTH. Inversamente, a concentração de ACTH se eleva > 50% e a de cortisol em 20% em resposta à sequência humana ou ovino de CRH (100 mcg, IV ou 1 mcg/kg, IV) na maioria dos pacientes com doença de Cushing, mas raramente nos pacientes com síndrome de secreção ectópica de ACTH (ver tabela Exames diagnósticos na síndrome de Cushing).
Uma abordagem alternativa para localização — que é mais precisa, porém mais invasiva — é o cateterismo de ambas as veias petrosas (que drenam a hipófise) e a medição do ACTH nessas veias 5 minutos após uma injeção de 100 mcg ou bolus de 1 mcg/kg de CHR (humano ou bovino). Uma relação centro/periferia > 3 virtualmente exclui a síndrome de secreção ectópica de ACTH, ao passo que uma relação < 3 sugere a necessidade de buscar essa fonte.
Exames diagnósticos para síndrome de Cushing
Exames de imagem
Exames de imagem da hipófise são realizados se as concentrações de ACTH e os testes de estímulo sugerirem causa hipofisária; RM usando gadolínio como contraste é mais precisa, mas alguns microadenomas são visíveis na TC. Se os exames sugerem uma causa não hipofisária, testes por imagem incluem TC de alta resolução de tórax, pâncreas e adrenais; cintilografia ou PET com octreotídio radiomarcador ou, preferencialmente, dotatato de gálio-68 e, às vezes, PET com fluorodesoxiglicose (FDG). A amostragem do seio petroso pode ser necessária para diferenciar fontes hipofisárias de ectópicas.
Em crianças com doença de Cushing, os tumores hipofisários são muito pequenos e podem não ser detectados por RM. Amostras do seio petroso são particularmente úteis nessa situação. É preferível a utilização da RM à TC em gestantes, para evitar a exposição fetal à radiação.
Tratamento
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A alta ingestão de proteínas e a administração de potássio (ou fármacos que poupam potássio, como a espironolactona)
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Inibidores adrenais como metirapona, mitotano ou cetoconazol
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Cirurgia ou radioterapia para remover tumores hipofisários, adrenais ou tumores produtores de ACTH ectópica
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Às vezes, análogos de somatostatina, agonistas de dopamina ou mifepristona
Inicialmente, a condição geral do paciente deve ser mantida por uma dieta rica em proteínas e administração adequada de potássio. Se as manifestações clínicas forem intensas, pode ser razoável bloquear a secreção de corticoides com metirapona (250 mg a 1 g, 3 vezes ao dia) ou cetoconazol (400 mg VO uma vez ao dia), aumentando até a dose máxima de 400 mg, 3 vezes ao dia. O cetoconazol provavelmente têm início de ação mais lento e, às vezes, é hepatotóxico. O etomidato parenteral (um anestésico intravenoso que também bloqueia a produção de cortisol) pode salvar a vida em pacientes com sintomas fulminantes; é administrado em infusão intravenosa: a dose inicial geralmente é 1 a 2 mg/hora, aumentando conforme necessário, com avaliações frequentes dos níveis de cortisol e a dose titulada de acordo.
Os tumores hipofisários que produzem excesso de ACTH são removidos cirurgicamente ou extirpados com radioterapia. Se a imagem não identificar tumor, mas houver uma fonte hipofisária provável, pode-se tentar realizar hipofisectomia total, em particular em pacientes idosos. Pacientes mais jovens recebem radioterapia de supervoltagem na hipófise, com 45 Gy (Gray). Entretanto, em crianças, a irradiação pode reduzir a secreção de GH e, ocasionalmente, causar puberdade precoce. Em centros especializados, a radiação com raios de partículas pesadas, fornecendo cerca de 100 Gy, costuma ser bem-sucedida, bem como o tratamento com raio único focalizado administrado em dose única (radiocirurgia). A resposta à irradiação ocasionalmente requer vários anos, mas é mais rápida em crianças.
Estudos sugerem que casos leves de doença persistente ou recorrente podem se beneficiar do pasireotido, um análogo da somatostatina. Mas hiperglicemia é um efeito adverso significativo. A cabergolina, um agonista da dopamina, também pode ser ocasionalmente útil. Alternativamente, os receptores de corticoides podem ser bloqueados com mifepristona. A mifepristona aumenta o cortisol plasmático, mas bloqueia os efeitos dos corticoides e pode causar hipopotassemia.
A adrenalectomia bilateral é reservada a pacientes com hiperadrenocorticismo hipofisário que não respondem à exploração da hipófise (com possível adenomectomia) nem à radioterapia, ou em pacientes nos quais a cirurgia não foi bem-sucedida e radioterapia é contraindicada. A adrenalectomia torna necessária a reposição de corticoides por toda a vida.
Tumores adrenocorticais são removidos cirurgicamente. Os pacientes devem receber cortisol durante a cirurgia e no período pós-operatório, em razão da supressão e atrofia do córtex adrenal não tumoral. Adenomas benignos podem ser removidos por via laparoscópica. Na hiperplasia adrenal multinodular, a adrenalectomia bilateral pode ser necessária. Mesmo após adrenalectomia total presumida, ocorre recrescimento funcional em alguns pacientes.
A síndrome de produção de ACTH ectópico é tratada pela remoção do tumor não hipofisário que produz ACTH. Entretanto, em alguns casos, o tumor está disseminado e não pode ser removido. Os inibidores da adrenal, como metirapona (500 mg VO 3 vezes ao dia, até um total de 6 g/dia) ou mitotano (0,5 g VO uma vez ao dia, aumentando até o máximo de 3 a 4 g/dia) geralmente controlam os distúrbios metabólicos graves (p. ex., hipopotassemia). Quando se utiliza mitotano, grandes doses de hidrocortisona ou dexametasona podem ser necessárias. As médias da produção de cortisol podem não ser confiáveis e pode ocorrer hipercolesterolemia grave. Cetoconazol (400 a 1.200 mg VO uma vez ao dia) também bloqueia a síntese de corticoides, embora possa causar toxicidade hepática e sintomas de Addison. A mifepristona também pode ser útil no tratamento da síndrome de ACTH ectópico.
Algumas vezes, tumores que secretam ACTH respondem aos análogos da somatostatina de ação prolongada, embora sua administração por > 2 anos exija acompanhamento rigoroso porque pode ocorrer gastrite leve, colelitíase, colangite, icterícia e má absorção.
Síndrome de Nelson
A síndrome de Nelson ocorre quando a glândula hipofisária continua a se expandir após adrenalectomia bilateral, causando um aumento significativo na secreção do ACTH e seus precursores, o que resulta em hiperpigmentação grave. Ela ocorre em ≤ 50% dos pacientes submetidos à adrenalectomia. O risco é provavelmente menor se o paciente é submetido à radioterapia hipofisária.
Embora a irradiação possa reter o crescimento hipofisário contínuo, muitos pacientes também exigem hipofisectomia. As indicações para a hipofisectomia são as mesmas para qualquer tumor hipofisário: aumento no tamanho de tal forma que o tumor invade ou circunda as estruturas, causando defeitos do campo visual, pressão sobre o hipotálamo ou outras complicações.
Irradiação de rotina é muitas vezes feita após hipofisectomia, se não tiver sido feita anteriormente, sobretudo quando um tumor está claramente presente. A radioterapia pode ser postergada se não houver lesão óbvia. Radiocirurgia, ou radioterapia focalizada, pode ser administrada em uma única fração quando a radioterapia com feixe externo padrão já foi feita, desde que a lesão esteja em uma distância razoável do nervo e quiasma ópticos.
Pontos-chave
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Em geral, o diagnóstico geralmente é feito por meio de níveis séricos ou salivares noturnos elevados de cortisol, ou cortisol livre na urina de 24 horas, e um teste de supressão com dexametasona em que o cortisol sérico não suprime.
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Diferenciam-se causas hipofisárias de não hipofisárias pelos níveis do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH).
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Teste de imagem é então feito para identificar quaisquer tumores causadores.
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Os tumores geralmente são tratados cirurgicamente ou com radioterapia.
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Metirapona ou cetoconazol pode ser administrado para suprimir a secreção de cortisol antes do tratamento definitivo.