A otalgia pode ocorrer isolada, associada à otorreia, ou raramente, à perda auditiva.
Fisiopatologia
A dor pode ser decorrente do processo intrínseco da orelha ou pode ser referida para esta, a partir de um distúrbio não otológico de algum órgão vizinho.
Otalgia de origem intrínseca pode resultar de um gradiente de pressão entre a orelha média e o meio externo, de uma inflamação local, ou ambos. Um gradiente pressórico de orelha média geralmente envolve obstrução da tuba auditiva, o que dificulta o equilíbrio entre as pressões da orelha média e atmosférica, e também permite o acúmulo de secreção dentro da fenda timpânica. A otite média causa inflamação dolorosa da membrana timpânica, bem como aumento na pressão da orelha média (ocasionando abaulamento da membrana timpânica).
Dor referida na orelha pode resultar de distúrbios em áreas inervadas por pares cranianos responsáveis pela sensibilidade da orelha externa e da orelha média (V, IX e X). Áreas específicas incluem nariz, seios paranasais, nasofaringe, dentes, gengiva, articulação temporomandibular, mandíbula, parótidas, língua, tonsilas palatinas, faringe, laringe, traqueia e esôfago. Distúrbios nessas áreas, às vezes, obstruem as tubas auditivas, provocando dor por aumento da pressão em orelha média.
Etiologia
Otalgia resulta de causas otológicas (na orelha média ou na externa) ou de causas não otológicas referidas na orelha em consequência dos processos patológicos em locais adjacentes (ver tabela Causas da otalgia).
Em casos de dor aguda, as causas mais comuns são
Em casos de dor crônica (> 2 a 3 semanas), as origens mais comuns são
Também em casos de dor crônica, tumor deve ser considerado, particularmente em pacientes idosos e se a dor for acompanhada de otorreia crônica. Diabéticos ou portadores de outros estados de imunocomprometimento podem desenvolver forma grave de infecção, conhecida como otite externa maligna ou necrosante. Nessas situações, qualquer tecido anormal encontrado à otoscopia deverá ser biopsiado.
A disfunção da articulação temporomandibular é causa comum de otalgia em pacientes com otoscopia normal.
Algumas causas de otalgia
Causa |
Achados sugestivos* |
Abordagem diagnóstica |
Orelha média |
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Obstrução aguda da tuba auditiva |
Desconforto leve Sons e estalos, com ou sem congestão nasal MT não vermelha, mas com diminuição da mobilidade Perda auditiva condutiva unilateral |
Avaliação clínica |
Dor significativa História de rápida mudança na pressão do ar (p. ex., viagens de avião, mergulho) Muitas vezes, hemorragia sobre ou atrás da MT |
Avaliação clínica |
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História recente da otite média Pode ter otorreia, rubor e dor sobre processo mastoide |
Avaliação clínica Normalmente TC para determinar a extensão e, às vezes, RM se houver suspeita de complicações intracranianas |
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Dor significativa, frequentemente sintomas de ITRS Abaulamento, hiperemia de MT Mais comum entre as crianças Otorreia possível se houver perfuração timpânica |
Avaliação clínica |
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Orelha externa |
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Visível à otoscopia |
Avaliação clínica |
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Normalmente história de tentativas de limpeza da orelha Lesão visível no canal à otoscopia |
Avaliação clínica |
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Prurido e dor (mais prurido e apenas leve desconforto na otite crônica externa) Muitas vezes, história de natação ou exposição recorrente à água Às vezes, secreção de odor fétido Conduto hiperemiado, inchado; debris purulentos MT normal |
Avaliação clínica TC de osso temporal, no caso de suspeita de otite externa maligna |
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Causas não otológicas† |
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Câncer (nasofaringe, base da língua, tonsilas, laringe) |
Desconforto crônico Muitas vezes, história de uso prolongado de tabaco ou álcool Às vezes, efusão da orelha média, linfadenopatia cervical Quase sempre em pacientes mais velhos |
RM com gadolínio Biópsia de lesões visíveis |
Infecção (tonsilas e/ou abscesso peritonsilar) |
Dor à deglutição Eritema faríngeo visível Abaulamento nos casos de abscesso |
Avaliação clínica Às vezes, cultura estreptocócica |
Neuralgia (trigeminal, esfenopalatina, glossofaríngeo e geniculado) |
Dor aleatória, breve, grave e lancinante |
Avaliação clínica |
Dor que piora com o movimento da mandíbula, perda de movimento suave da articulação temporomandibular |
Avaliação clínica |
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*Algum grau de perda auditiva condutiva é comum em alguns casos de otite média e externa. †Característica comum é exame da orelha normal. MT = membrana timpânica; ATM = articulação temporomandibular; ITRS = infecção do trato respiratório superior. |
Avaliação
História
A história da doença atual deve descrever o local, a duração e a gravidade da dor e, ainda, se é constante ou intermitente. Se for intermitente, é importante determinar se ocorre aleatoriamente ou associado aos movimentos da mandíbula e/ou ao engolir. Sintomas concomitantes, como otorreia, hipoacusia e faringite, são comuns. O paciente deve ser questionado sobre tentativas de limpeza no meato acústico externo (p. ex., uso de cotonetes) ou história de manipulação recente, corpos estranhos, viagem aérea recente, mergulho em profundidade, prática de natação ou qualquer outra exposição das orelhas à água.
A revisão de sistemas deve buscar informações sobre sinais de doenças crônicas, como perda ponderal e febre.
A história clínica deve questionar sobre diabetes ou outros estados de imunocomprometimento, doenças otológicas prévias (particularmente infecções) e uso de álcool e/ou tabagismo.
Exame físico
Verificar se os pacientes têm febre.
O exame compreende a inspeção de orelhas, nariz e garganta.
O pavilhão auricular e a região da ponta da mastoide devem ser inspecionados para edema e hiperemia. A pavilhão é suavemente puxado; exacerbação significativa da dor com puxões sugere otite externa. O pavilhão auricular deve ser examinado em busca de hiperemia, edema, secreção, cerume, corpo estranho e outras lesões. A MT deve ser examinada quanto à hiperemia, à perfuração e aos sinais de coleção líquida em orelha média (p. ex., abaulamento, opacidade, alteração do reflexo luminoso). Deve-se fazer teste audiológico breve à beira do leito.
O exame da garganta pode determinar vermelhidão, exsudato tonsilar, edema peritonsilar e qualquer outra lesão que sugira neoplasia.
A presença de trismo, ou sinais de bruxismo, podem ser avaliados pela palpação da articulação temporomandibular durante os movimentos de abrir e fechar a boca.
A pesquisa de linfadenopatia cervical deve se dar por meio da palpação. Exame endoscópio de faringe e laringe deve ser considerado, principalmente se nenhuma causa para a dor for identificada durante os exames rotineiros e na presença de sintomas não otológicos, como rouquidão, disfagia ou obstrução nasal.
Sinais de alerta
Interpretação dos achados
Um diferencial importante é se o exame otológico está normal; doenças da orelha média e da orelha externa causam alterações que, quando associadas à anamnese, geralmente sugerem a etiologia (ver tabela Algumas causas de otalgia). Por exemplo, pacientes com disfunção crônica da tuba auditiva têm anormalidades na MT, tipicamente uma bolsa de retração.
Pacientes com exame otológico normal podem ter etiologia orofaríngea, como tonsilite ou abscesso peritonsilar. Otalgia decorrente de neuralgia tem manifestação clássica, como breves (geralmente segundos, sempre < 2 minutos) episódios de dor intensa aguda. Dor crônica na ausência de alterações no exame físico pode ser consequente de disfunções da articulação temporomandibular, mas os pacientes devem passar por avaliação completa de cabeça e pescoço (incluindo exames endoscópicos), a fim de excluir causa neoplásica.
Exames
A maioria dos casos é solucionada depois de anamnese e exame físico. Dependendo dos achados clínicos, as causas não otológicas podem indicar a necessidade de exames complementares (ver tabela Causas de otalgia). Pacientes com exame otológico normal, especialmente com dor crônica ou recorrente, podem obrigar avaliação com a RM para descartar o câncer.
Tratamento
Doenças subjacentes são tratadas.
A indicação é tratar a dor com analgésicos orais; em geral, anti-inflamatórios não esteroides (AINE) ou paracetamol, mas, algumas vezes, é necessário usar um opioide oral durante um curto lapso de tempo, particularmente nos casos de otite externa grave. Nesses casos, o efetivo tratamento requer a aspiração de debris e secreção, e a inserção de um curativo para permitir a entrada do antibiótico tópico na região do tecido infectado; antibióticos orais não são utilizados, a menos que parte ou toda a pina seja eritematosa, sugerindo disseminação da infecção. A analgesia tópica (p. ex., combinações de antipirina-benzocaína) costuma não ser muito efetiva, mas pode ser usada em alguns casos.
Os pacientes devem ser instruídos a evitar a manipular as orelhas com quaisquer objetos (não importa o quão suaves os objetos são ou quão cuidadoso o paciente diz ser). Além disso, os pacientes não devem molhar as orelhas, a não ser que orientado pelo médico a fazê-lo, e, então, apenas suavemente. Um irrigador oral nunca deve ser utilizado para irrigar a orelha.