Deficiência de alfa-1 antitripsina

PorRobert A. Wise, MD, Johns Hopkins Asthma and Allergy Center
Revisado/Corrigido: mai. 2024
Visão Educação para o paciente

A deficiência de alfa-1 antitripsina é a ausência congênita de uma antiprotease pulmonar primária, alfa-1 antitripsina, que leva ao aumento da destruição tecidual mediada pela protease e enfisema em adultos. O acúmulo hepático de alfa-1 antitripsina anormal pode causar hepatopatia em crianças e adultos. O nível sérico de alfa-1 antitripsina < 11 mmol/L (< 80 mg/dL) corrobora o diagnóstico. O diagnóstico deve ser confirmado com testes de genótipos ou fenótipos específicos. O tratamento envolve interrupção do tabagismo, broncodilatadores, tratamento precoce de infecções e, em casos selecionados, reposição de alfa-1 antitripsina. A hepatopatia pode exigir transplante. O prognóstico está relacionado principalmente ao grau de comprometimento pulmonar.

Fisiopatologia da deficiência de alfa-1 antitripsina

A alfa-1 antitripsina é um inibidor da elastase neutrofílica (antiprotease), cuja principal função é proteger os pulmões da destruição tecidual mediada pela protease. A maior parte da alfa-1 antitripsina é sintetizada por hepatócitos e monócitos, difundindo-se passivamente através da circulação até os pulmões; parte é produzida de maneira secundária pelos macrófagos alveolares e células epiteliais. A conformação proteica (e, consequentemente, a funcionalidade) e a quantidade de alfa-1 antitripsina circulante são determinadas pela expressão codominante dos alelos parentais; foram identificados e descritos > 90 diferentes alelos pelo fenótipo do inibidor de protease (PI*) (1) (ver tabla Expressão dos fenótipos na deficiência de alfa-1 antitripsina).

Fígado

A hereditariedade de alguns alelos variantes provoca alteração na conformação da molécula de alfa-1 antitripsina, conduzindo à polimerização e à retenção dentro dos hepatócitos. O acúmulo hepático de moléculas de alfa-1 antitripsina aberrante causa icterícia colestática neonatal em 10 a 15% dos pacientes; o restante provavelmente é capaz de degradar a proteína anormal, apesar de o mecanismo protetor exato não estar esclarecido (2). Cerca de 20% dos casos de comprometimento hepático neonatal resultam no desenvolvimento de cirrose na infância. Aproximadamente 10% dos pacientes sem doença hepática infantil desenvolvem cirrose clínica como adultos. Uma série de autópsias revelou que a cirrose pode ser encontrada em aproximadamente um terço dos adultos afetados (3). O comprometimento hepático aumenta o risco de câncer do fígado.

Pulmões

Nos pulmões, a deficiência de alfa-1 antitripsina aumenta a atividade da elastase neutrofílica, o que facilita a destruição tecidual, conduzindo ao enfisema (especialmente em tabagistas, uma vez que o tabagismo também aumenta a atividade de protease). Estima-se que a deficiência de alfa-1 antitripsina seja responsável por 1 a 2% de todos os casos de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). A deficiência de alfa-1 antitripsina mais comumente causa enfisema precoce; sintomas e sinais de envolvimento pulmonar ocorrem mais cedo em pessoas que fumam do que naquelas que não fumam, mas o envolvimento pulmonar é raro em pacientes com menos de 25 anos de idade. Alguns pacientes com bronquiectasia apresentam deficiência de alfa-1 antitripsina.

Outros tecidos

Possivelmente, outras doenças associadas a variantes da alfa-1 antitripsina incluem paniculite (um distúrbio inflamatório do tecido subcutâneo), hemorragia potencialmente fatal (por mutação que converte a alfa-1 antitripsina de uma elastase neutrofílica em um inibidor de fator de coagulação), aneurismas, colite ulcerativa, vasculite com anticorpo citoplasmático antineutrófilo (ANCA) positivo e doença glomerular.

Referências sobre fisiopatologia

  1. 1. Mróz J, Pelc M, Mitusińska K, Chorostowska-Wynimko J, Jezela-Stanek A. Computational Tools to Assist in Analyzing Effects of the SERPINA1 Gene Variation on Alpha-1 Antitrypsin (AAT). Genes (Basel). 2024;15(3):340. doi:10.3390/genes15030340

  2. 2. American Thoracic Society; European Respiratory Society: American Thoracic Society/European Respiratory Society statement: standards for the diagnosis and management of individuals with alpha-1 antitrypsin deficiency. Am J Respir Crit Care Med 168(7):818–900, 2003. doi:10.1164/rccm.168.7.818

  3. 3. Fairbanks KD, Tavill AS. Liver disease in alpha 1-antitrypsin deficiency: a review. Am J Gastroenterol 2008;103(8):2136-2142. doi:10.1111/j.1572-0241.2008.01955.x

Classificação da deficiência de alfa-1 antitripsina

O fenótipo PI normal é PI*MM. Mais de 95% dos indivíduos com deficiência grave de alfa-1-antitripsina e enfisema são homozigotos para o alelo Z (PI*ZZ). A prevalência na população normal é 1/2000 a 1/10.000 (1). A maioria dos pacientes é descendente do norte da Europa; o alelo Z é raro em pessoas de ascendência asiática e naquelas de ascendência africana.

Embora o enfisema seja comum em pacientes homozigotos para o alelo Z, muitos pacientes que não fumam e são homozigotos para PI*ZZ não desenvolvem enfisema; pacientes que normalmente têm história familiar de DPOC. Pessoas que fumam e são homozigotas para PI*ZZ têm menor expectativa de vida do que pessoas que não fumam e são homozigotas para PI*ZZ. Tabagistas homozigotos PI*ZZ têm uma expectativa de vida menor do que as pessoas que são PI*MM, independentemente de estas fumarem ou não. Se são tabagistas, as pessoas heterozigotas PI*MZ têm maior probabilidade de apresentar diminuições mais rápidas do volume expiratório forçado em 1 segundo (VEF1) ao longo do tempo do que as pessoas na população em geral.

Outros fenótipos raros incluem PI*SZ e 2 tipos de deficiência de alfa-1 antitripsina com alelos não expressivos, o PI*Z-nulo e PI*nulo-nulo (ver tabela Expressão dos fenótipos na deficiência de alfa-1 antitripsina). O fenótipo nulo acarreta níveis séricos indetermináveis de alfa-1 antitripsina. Níveis séricos normais de alfa-1 antitripsina com defeito podem ocorrer em pacientes com mutações raras.

Tabela
Tabela

Referência sobre classificação

  1. 1. Ali­-Munive A, Leidy P, Proanos NJ, et al. Prevalence of genetic mutations in alpha-1 antitrypsin deficiency (aatd) in patients with chronic obstructive pulmonary disease in Colombia. BMC Pulm Med 2023;23(1):156. doi:10.1186/s12890-023-02453-0

Sinais e sintomas da deficiência de alfa-1 antitripsina

Lactentes com envolvimento hepático podem manifestar icterícia colestática e hepatomegalia durante a primeira semana de vida; em geral, a icterícia regride por volta dos 2 a 4 meses de idade. Pode haver o desenvolvimento de cirrose na infância ou na idade adulta (os sinais e os sintomas da cirrose e do carcinoma hepatocelular são discutidos em outras seções deste Manual).

Adultos com enfisema têm sinais e sintomas da DPOC, incluindo dispneia, tosse, sibilos e expiração prolongada.

A gravidade da doença pulmonar varia muito, dependendo do fenótipo, tabagismo e outros fatores. A função pulmonar é bem preservada em alguns pacientes que fumam e são homozigotos para PI*ZZ. A função pulmonar pode ser gravemente prejudicada em alguns pacientes que são homozigotos para PI*ZZ mas não fumam. Pessoas que são homozigotas para PI*ZZ identificadas em pesquisas populacionais (i.e., aquelas sem sintomas ou doença pulmonar) tendem a ter melhor função pulmonar, quer fumem ou não, do que os pacientes identificados por terem doença pulmonar. A obstrução das vias respiratórias ocorre com mais frequência em homens e em indivíduos com asma, infecções respiratórias recorrentes, exposição à poeira ocupacional e antecedentes familiares de pneumopatia.

Paniculite, uma doença inflamatória dos tecidos moles subcutâneos, manifesta-se como placas ou nódulos endurecidos, sensíveis e descoloridos, tipicamente no abdome inferior, na região glútea e nas coxas.

Diagnóstico da deficiência de alfa-1 antitripsina

  • Nível sérico de alfa-1 antitripsina

  • Genotipagem

Suspeita-se de deficiência de alfa-1 antitripsina nos seguintes casos:

  • Tabagistas que desenvolvem enfisema antes dos 45 anos

  • Não tabagistas que não têm exposições ocupacionais mas desenvolvem enfisema em qualquer idade.

  • Pacientes cuja radiografia de tórax mostra enfisema pulmonar predominantemente nos lobos inferiores

  • Pacientes com antecedentes familiares de enfisema ou cirrose sem explicação

  • Pessoas com história familiar de deficiência de alfa-1 antitripsina

  • Pacientes com paniculite

  • Recém-nascidos com icterícia ou elevação de enzimas hepáticas

  • Pacientes com bronquiectasia ou doença hepática inexplicável

Em geral, realiza-se rastreamento com genotipagem. Faz-se o diagnóstico identificando os níveis séricos de alfa-1 antitripsina < 80 mg/dL (< 15 micromol/L), se medido pelo método de imunodifusão radial, ou níveis < 50 mg/dL (< 9 micromol/L) se medido por nefelometria (1).

Referência sobre diagnóstico

  1. 1. American Thoracic Society; European Respiratory Society: American Thoracic Society/European Respiratory Society statement: standards for the diagnosis and management of individuals with alpha-1 antitrypsin deficiency. Am J Respir Crit Care Med 168(7):818–900, 2003. doi:10.1164/rccm.168.7.818

Tratamento da deficiência de alfa-1 antitripsina

  • Cuidados de suporte

  • Para a doença pulmonar, geralmente reposição de alfa-1 antitripsina

O tratamento da doença pulmonar é feito com alfa-1 antitripsina humana purificada, que pode manter o nível sérico de alfa-1 antitripsina acima de um nível protetor de 80 mg/dL (35% do normal) quando medido por imunodifusão radial.

Como o enfisema provoca alteração estrutural permanente, a terapia não pode melhorar a função ou a estrutura pulmonar comprometida, mas é administrada para impedir a progressão. O tratamento é caro e reservado para pacientes que não fumam e que têm 2 alelos anormais, função pulmonar leve a moderadamente anormal e confirmação do diagnóstico por baixos níveis séricos de alfa-1 antitripsina. Não está indicado para os pacientes com doen-ça grave ou para aqueles nos quais um ou ambos os alelos são normais.

Cessação do tabagismo, uso de broncodilatadores e tratamento precoce das infecções respiratórias são particularmente importantes para os pacientes com deficiência de alfa-1 antitripsina e enfisema.

Para os indivíduos com comprometimento grave e idade < 60 anos, deve-se considerar o transplante pulmonar.

A cirurgia de redução do volume pulmonar para tratar o enfisema por deficiência de alfa-1 antitripsina é controversa; os desfechos são inferiores aos pacientes sem deficiência de alfa-1 antitripsina.

O tratamento da hepatopatia é paliativo. A reposição de enzima não ajuda, pois a doença é causada pelo processamento anormal, em vez de deficiência enzimática. Pode-se utilizar o transplante de fígado em pacientes com insuficiência hepática.

O tratamento da paniculite não está bem definido. Dapsona, corticoides e tetraciclinas foram utilizados (1).

Referência sobre o tratamento

  1. 1. Franciosi AN, Ralph J, O'Farrell NJ, et al: Alpha-1 antitrypsin deficiency-associated panniculitis. J Am Acad Dermatol 87(4):825–832, 2022. doi:10.1016/j.jaad.2021.01.074

Prognóstico para deficiência de alfa-1 antitripsina

Como grupo, as pessoas com deficiência grave de alfa-1 antitripsina que nunca fumaram têm uma expectativa de vida normal e apenas insuficiência moderada da função pulmonar.

A causa mais comum de morte na deficiência de alfa-1 antitripsina é enfisema, seguido por cirrose, muitas vezes com carcinoma hepatocelular.

Pontos-chave

  • Suspeitar de deficiência de alfa-1 antitripsina se o paciente tiver enfisema inexplicável, doença hepática (particularmente em recém-nascidos), paniculite ou bronquiectasias.

  • Diagnosticar utilizando genotipagem e confirmar por meio da mensuração níveis séricos de alfa-1 antitripsina < 80 mg/dL (< 15 micromol/L).

  • Tratar os pacientes selecionados (pacientes que não fumam nos quais ambos os alelos são anormais e que têm função pulmonar leve a moderada e baixos níveis séricos de alfa-1-antitripsina) com alfa-1 antitripsina humana purificada.

  • Considerar transplante de fígado caso se desenvolva insuficiência hepática.

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