Incapacidade de ganhar peso (IGP) em crianças

PorChristopher P. Raab, MD, Sidney Kimmel Medical College at Thomas Jefferson University
Revisado/Corrigido: fev 2023
Visão Educação para o paciente

A incapacidade de ganhar peso em crianças se refere a um peso consistentemente abaixo do 3º e 5º percentis para a idade e sexo, diminuição progressiva do peso abaixo dos 3º ou 5º percentis ou diminuição de 2 parâmetros principais do crescimento em um curto período de tempo. As causas podem ser uma condição médica ou fatores ambientais. Todos os tipos de incapacidade de ganhar peso estão relacionados à nutrição inadequada. O objetivo do tratamento é restaurar a nutrição adequada.

Etiologia da incapacidade de ganhar peso em crianças

A base fisiológica da incapacidade de ganhar peso (IGP) é nutrição inadequada e é dividida em

  • Incapacidade de ganhar peso orgânica

  • Incapacidade de ganhar peso não orgânica

  • Incapacidade de ganhar peso mista

A maioria dos casos de incapacidade de ganhar peso é multifatorial.

Incapacidade de ganhar peso orgânica

O crescimento deficiente se deve a um distúrbio agudo ou crônico que interfere na ingestão de nutrientes, absorção, metabolismo, excreção e aumento das necessidades energéticas (ver tabela Algumas causas de má evolução ponderal). A causa pode ter origem em qualquer sistema orgânico.

Crianças podem apresentar incapacidade de ganhar peso orgânica em qualquer idade, dependendo da doença de base.

Tabela

Incapacidade de ganhar peso não orgânica

A incapacidade de ganhar peso não orgânica decorre de ingestão calórica insuficiente. Costuma manifestar-se como uma incapacidade de ganhar peso. O crescimento em termos de comprimento e perímetro cefálico permanece normal por algum empo até que também seja impactado pela baixa ingestão calórica. Esse é o padrão mais comum da incapacidade de ganhar peso não orgânica. A maioria das crianças com incapacidade de ganhar peso não orgânica revelam deficit de crescimento antes do 1º ano de idade e muitos até por volta dos 6 meses.

Quando a IGP não orgânica é causada por fatores psicológicos, o déficit de crescimento acompanha ou precede o ganho ponderal deficiente. Acredita-se que isso ocorra porque o estresse mental na criança pode aumentar os níveis dos hormônios contrarreguladores (p. ex., corticoides, catecolaminas), que se opõem aos efeitos do hormônio do crescimento.

Até 80% das crianças com IGP não demonstram uma causa orgânica aparente inibidora do crescimento. O deficit de crescimento ocorre por negligência ambiental (p. ex., falta de alimento), falta de estímulo, ou ambos.

A falta do alimento pode ocorrer por

  • Pobreza

  • Incompreensão das técnicas alimentares

  • Preparo impróprio de receitas (p. ex., hiperdiluição do alimento para “render mais”, devido a dificuldades financeiras)

  • Oferta inadequada do leite materno (mãe sob tensão, cansaço ou desnutrida)

A IGP não orgânica costuma ser decorrente de interações desordenadas entre a criança e o responsável. Em alguns casos, a base psicológica da IGP não orgânica parece semelhante àquela que ocorre em lactentes hospitalizados por um período prolongado que desenvolvem depressão secundária à privação de estímulo. A criança desestimulada torna-se deprimida, apática e anorética. O estímulo pode faltar porque o responsável

  • É deprimido ou apático

  • Possui pouca aptidão

  • É ansioso ou não preenche as condições para a função de cuidador

  • Demonstra hostilidade para com a criança

  • Sofre sob tensões reais do ambiente (como exigências de outras crianças em famílias grandes e caóticas, problemas conjugais, perdas significativas, dificuldades financeiras)

Os maus cuidados não preenchem totalmente as causas de incapacidade de ganhar peso não orgânica. O temperamento, as respostas e a capacidade da criança ajudam o responsável na formação de padrões nutricionais. Cenários comuns envolvem desentendimentos pais-criança, nos quais as exigências da criança (p. ex., uma criança difícil de alimentar), embora não patológicas, não conseguem ser adequadamente atendidas pelos pais; estes devem, entretanto, se dar bem com a criança que tem necessidades diferentes, até mesmo com a mesma criança em circunstâncias diferentes. Uma criança difícil de alimentar pode revelar um problema na interação pais-criança que teria permanecido oculto se fosse uma criança fácil de alimentar.

Incapacidade de ganhar peso mista

Na incapacidade de ganhar peso mista, causas orgânicas e não orgânicas podem se sobrepor. Por exemplo, crianças com doenças orgânicas também têm ambientes perturbados ou interações disfuncionais com os pais. Por outro lado, crianças com desnutrição grave causada por incapacidade de ganhar peso não orgânica podem desenvolver problemas médicos orgânicos.

Diarreia, incapacidade de ganhar peso em crianças

  • Monitoramento frequente do peso

  • História clínica, familiar e social

  • História dietética

  • Exames laboratoriais

Deve-se comparar a idade com o peso, altura e perímetro cefálico de acordo com padrões e curvas de crescimento, como aquelas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e Centers for Disease Control and Prevention (CDC). (Para crianças de 0 a 2 anos, ver Curvas de crescimento da OMS (WHO Growth Charts); para crianças de 2 anos e maiores, ver CDC Growth Charts.) Enquanto o prematuro não completar 2 anos, a idade deve ser corrigida pela gestação.

O peso é o indicador mais sensível do estado nutricional. Outra medida útil da desnutrição é um escore Z do índice de massa corporal (IMC) inferior a -2 (isto é, 2 desvios padrão abaixo do IMC médio). Quando a incapacidade de ganhar peso decorre de ingestão calórica inadequada, o peso cai abaixo do percentil basal antes do comprimento.

Crescimento linear reduzido indica desnutrição prolongada grave. A diminuição simultânea do comprimento ou altura e peso sugere uma deficiência primária de crescimento ou um estado inflamatório prolongado.

Como o encéfalo é preferencialmente poupado na desnutrição proteico-calórica, o crescimento reduzido do perímetro cefálico ocorre tardiamente e indica desnutrição muito grave ou prolongada.

Crianças que estão abaixo do peso podem ser menores e mais baixas do que seus colegas e podem manifestar inquietação ou choro, letargia ou sonolência, e constipação. A incapacidade de ganhar peso está associada a deficits físicos (p. ex., sentar, andar), deficits sociais (p. ex., interação, aprendizagem) e, se ocorre em crianças maiores, puberdade atrasada.

Em geral, quando o deficit de crescimento se torna evidente, obtém-se a história (incluindo a história nutricional — ver tabela Dados essenciais da história para má evolução ponderal), providencia-se a orientação alimentar e monitora-se o peso da criança.

O exame cuidadoso do gráfico de crescimento pode fornecer pistas para o diagnóstico. Por exemplo, se o peso e a altura caem simultaneamente, o diagnóstico provável é o de uma doença orgânica. Sem evidências de história e exame físico da existência de uma etiologia de base, para o deficit de crescimento, nenhum aspecto clínico isolado ou teste laboratorial é capaz de distinguir a forma orgânica da não orgânica da incapacidade de ganhar peso, de modo confiável. Como as crianças podem ter incapacidade de ganhar peso orgânica e não orgânica, o médico deve pesquisar simultaneamente um problema físico subjacente e características pessoais, familiares e aspectos criança-família que dão suporte a uma etiologia psicossocial.

A avaliação deve ser multidisciplinar, envolvendo médico, enfermeira, assistente social, nutricionista, um especialista em desenvolvimento e até um psiquiatra ou psicólogo. Deve ser observado o comportamento alimentar da criança com a atendente no hospital e com os pais fora dele. A criança que não ganha peso satisfatoriamente, apesar de toda orientação, deve ser internada, para observação em ambiente hospitalar e realização rápida dos testes laboratoriais diagnósticos necessários.

Durante a hospitalização, a interação da criança com o meio ambiente deve ser cuidadosamente observada e as evidências de comportamentos autoestimulatórios (p. ex., balançar, bater a cabeça) devem ser anotadas. Algumas crianças com incapacidade de ganhar peso não orgânica são tidas como hipervigilantes, desconfiadas com o estreito contato das pessoas, preferindo interação com objetos inanimados. Embora a incapacidade de ganhar peso não orgânica seja mais consistente com negligência do que abuso parental, deve-se examinar atentamente na criança evidência de abuso. Um teste de triagem do nível de desenvolvimento deve ser feito e, se indicado, seguido por avaliação mais sofisticada. É mais provável que crianças hospitalizadas que começam a ganhar peso com técnicas de alimentação, preparação de alimentos e quantidade de calorias adequadas tenham incapacidade de ganhar peso não orgânica.

A participação dos pais como coinvestigadores é essencial. Isto ajuda a promover a autoestima e evita criticar os pais que já se sentem frustrados ou culpados ao perceberem a inabilidade para alimentar seu próprio filho. Para crianças hospitalizadas, a família deve ser incentivada a fazer visitas frequentes e com a maior duração possível. Os membros da equipe devem fazer com que eles se sintam bem-vindos, apoiar suas tentativas de alimentar a criança e fornecer brinquedos e ideias que promovem brincadeiras e outras interações pais-filho.

Deve-se avaliar a adequação parental e o senso de responsabilidade. Suspeitas de negligência ou abuso devem ser relatadas ao serviço social, mas, em muitas situações, é mais apropriado encaminhar aos serviços de prevenção para que a família encontre ajuda para apoio e educação (fornecer cartões de alimentos suplementares, facilitar as tarefas de cuidados de saúde da criança).

Tabela

Exames

Exames laboratoriais extensos geralmente não são produtivos. Se a história completa ou exame físico não indicam uma causa específica, a maioria dos especialistas recomenda limitar os testes de triagem a

  • Hemograma completo com contagem diferencial

  • Velocidade de hemossedimentação

  • Níveis de ureia, creatinina e eletrólitos no soro

  • Cultura e exame de urina (incluindo capacidade de concentração e acidificação)

  • Coprologia (pH, substâncias redutoras, odor, cor, consistência, presença de gordura)

Dependendo da prevalência de certas doenças na comunidade, outros exames devem ser adicionados, como HIV e tuberculose.

Deve-se revisar os resultados dos testes de triagem neonatal para indicações de outras doenças genéticas. Além disso, embora agora os testes de rastreamento neonatal avaliem a presença de fibrose cística em neonatos, deve-se fazer um teste de suor se a criança tem história de doença recorrente do trato respiratório superior ou inferior, apetite voraz, fezes volumosas e fétidas, hepatomegalia ou antecedentes familiares de fibrose cística.

Testes para doenças endócrinas que podem impactar o crescimento são às vezes apropriados. Hipertireoidismo pode resultar em perda de peso. Os exames incluem a determinação dos níveis de tiroxina (T4) e hormônio tireoestimulante (TSH). Avaliação do hormônio de crescimento [feita medindo os níveis séricos em jejum do fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1) e da proteína de ligação ao IGF tipo 3 (IGFBP-3)] é apropriada quando o crescimento em altura é mais gravemente afetado do que o crescimento em peso ou quando a altura/comprimento e o peso caem simultaneamente.

Pode-se realizar testes para doença celíaca como parte da avaliação inicial. Testes podem incluir o anticorpo marcador sorológico do anticorpo antitransglutaminase tecidual (ATGt, ou tTG na siga em inglês) e o anticorpo antiendomísio (AAE, ou EMA na sigla em inglês) e, às vezes, biópsia do intestino delgado.

Investigação em busca de doenças infecciosas deve ser reservada para crianças com evidência de infecção (p. ex., febre, vômitos, tosse, diarreia); contudo, exame de urina pode ser útil porque algumas crianças com incapacidade de ganhar peso decorrente de uma infecção do trato urinárionão apresentam outros sinais e sintomas.

Deve-se reservar exames radiológicos para crianças com evidência de patologia anatômica ou funcional (p. ex., estenose pilórica, refluxo gastroesofágico). Mas se há suspeita de uma causa endócrina, às vezes determina-se a idade óssea.

Tratamento da incapacidade de ganhar peso em crianças

  • Nutrição suficiente

  • Tratamento da doença subjacente

  • Apoio social em longo prazo

O objetivo do tratamento da má evolução ponderal é fornecer saúde e características ambientais suficientes para promover um crescimento satisfatório.

São necessários nutrição adequada com calorias suficientes para promover uma velocidade de crescimento que compense o atraso (calorias necessárias são cerca de 150% do normal) e apoios médico e social personalizados.

A habilidade da criança hospitalizada de ganhar peso não diferencia a forma orgânica da não orgânica, pois toda criança cresce quando recebe alimentação suficiente. Entretanto, algumas crianças com a forma não orgânica perdem peso no hospital, enfatizando a complexidade deste problema.

As crianças portadoras das formas orgânica ou mista devem ter suas doenças de base tratadas rapidamente.

A conduta, para crianças portadoras das formas não orgânica ou mista, inclui suporte educacional e emocional para corrigir problemas que estejam interferindo no relacionamento pais-criança. Como o suporte social ou o tratamento psiquiátrico são a longo prazo, o grupo avaliador pode ser capaz apenas de definir as necessidades da família, fornecer instrução inicial, suporte e encaminhar para agências comunitárias apropriadas. Os pais precisam compreender o porquê da conduta e, se existirem opções, devem participar das decisões das agências envolvidas. Se a criança for hospitalizada em um hospital de terceira linha, os médicos devem ser consultados com relação às agências locais e do nível de conhecimento da comunidade.

O ideal seria que, antes da alta, houvesse uma reunião entre os profissionais do hospital que cuidaram da criança, o representante do atendimento comunitário e o pediatra. As áreas de responsabilidade e conduta devem ficar bem definidas, por escrito, e ser fornecidas a todos os envolvidos. Os pais devem ser convidados a resumir a reunião de tal forma que possam contatar o agente comunitário, fazer perguntas e marcar consultas de seguimento.

Em alguns casos, a criança é entregue a pais substitutos. Se a criança retornar aos pais biológicos, estes devem ser treinados e orientados psicologicamente. O progresso da criança deve ser monitorado rigorosamente. O retorno aos pais biológicos deve ser baseado na demonstração de sua habilidade nos cuidados à criança, atual, e não apenas com o passar do tempo.

Prognóstico da incapacidade de ganhar peso em crianças

O prognóstico da incapacidade de ganhar peso orgânica vai depender da etiologia.

Na IGP não orgânica, a maioria das crianças com > 1 ano de idade alcançam peso estável acima do 3° percentil com tratamento apropriado.

Crianças que desenvolvem qualquer tido de IGP antes do 1º ano de vida têm alto risco de atraso cognitivo, especialmente aptidões verbais e matemáticas. Aquelas diagnosticadas antes dos 6 meses de idade — quando o ritmo de crescimento cerebral é máximo — têm os riscos mais elevados.

Cerca de 50% têm problemas de comportamento identificado pelos professores ou pelos profissionais da área de saúde mental. Problemas especificamente relacionados com a alimentação (p. ex., pegar aos poucos e com lentidão) ou eliminação tendem a ocorrer em uma proporção semelhante de crianças, geralmente entre aquelas que apresentam outros distúrbios de comportamento e personalidade.

Pontos-chave

  • Incapacidade de ganhar peso (IGP) se refere a um peso consistentemente abaixo do 3º e 5º percentis para a idade e sexo, diminuição progressiva do peso abaixo dos 3º ou 5º percentis ou diminuição de 2 parâmetros principais do crescimento em um curto período de tempo.

  • A incapacidade de ganhar peso orgânica decorre de um distúrbio clínica (p. ex., má absorção, erro inato do metabolismo).

  • A IGP não orgânica decorre de problemas psicossociais (p. ex., negligência, pobreza, dificuldade de interação pais-criança).

  • Além de obter história médica, social e alimentar completo, os profissionais de saúde devem observar como os pais/cuidadores alimentam a criança.

  • A hospitalização pode ser necessária para avaliar a criança, para observar a resposta da criança à alimentação adequada e para envolver uma equipe nutricional se necessário.

Informações adicionais

Os recursos em inglês a seguir podem ser úteis. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo desses recursos.

  1. World Health Organization: Growth charts for children 0 to 2 years

  2. Centers for Disease Control and Prevention: Growth charts for children 2 years and older

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