Coagulação intravascular disseminada (CIVD)

(Coagulopatia de consumo; Síndrome da desfibrinação)

PorMichael B. Streiff, MD, Johns Hopkins University School of Medicine
Revisado/Corrigido: set 2023
Visão Educação para o paciente

A coagulação intravascular disseminada (CIVD) envolve geração anormal e excessiva de trombina e fibrina no sangue circulante. Durante o processo, ocorre aumento da agregação plaquetária e consumo de fatores de coagulação. Coagulação intravascular disseminada (CIVD) que se desenvolve lentamente (por semanas ou meses) causa manifestações primariamente trombótica venosa e embólica; CIVDque se desenvolve rápido (em horas ou dias) ocasiona primariamente sangramento. Diagnostica-se coagulação intravascular disseminada (CIVD) grave que evolui rapidamente detectando trombocitopenia, tempo de tromboplastina parcial e tempo de protrombina elevados, níveis séricos aumentados de dímero d (ou de produtos da degradação de fibrina no soro) e diminuição nos níveis séricos de fibrinogênio. O tratamento é feito pela correção da causa e reposição de plaquetas, fatores da coagulação (no plasma fresco congelado) e fibrinogênio (no crioprecipitado) para controlar o sangramento grave. Heparina é usada como terapia (ou profilaxia) em pacientes com CIVD de evolução lenta, como ocorre com câncer de próstata, aneurismas ou hemangiomas cavernosos, que têm (ou estão em risco de) tromboembolismo venoso ou arterial.

(Ver também Visão geral dos distúrbios de coagulação.)

Etiologia de coagulação intravascular disseminada

A coagulação intravascular disseminada normalmente resulta da exposição do fator tecidual ao sangue, iniciando a via extrínseca da cascata da coagulação. Além disso, a via fibrinolítica é ativada na coagulação intravascular disseminada (CIVD) (ver figura Via fibrinolítica). A estimulação das células endoteliais pelas citocinas e as alterações do fluxo sanguíneo microvascular provocam a liberação do fator de ativação do plasminogênio tecidual (tPA) a partir das células endoteliais. Tanto o tPA como o plasminogênio se ligam aos polímeros da fibrina, e a plasmina (gerada pela clivagem do tPA do plasminogênio) cliva a fibrina em dímeros-D- e outros produtos de degradação da fibrina. A coagulação intravascular disseminada (CIVD) pode portanto, causar trombose e sangramento (se o consumo de plaquetas e/ou de fatores de coagulação for excessivo).

Via fibrinolítica

A coagulação intravascular disseminada (CIVD) ocorre com mais frequência nas seguintes circunstâncias clínicas:

  • Complicações obstétricas (p. ex., descolamento prematuro da placenta, aborto terapêutico induzido por soro fisiológico, feto morto ou produtos de concepção retidos, embolismo do líquido amniótico). O tecido placentário com atividade do fator tecidual entra ou é exposto à circulação materna.

  • Infecção, em particular com microrganismos Gram-negativos: a endotoxina Gram-negativa provoca exposição ou ativação da atividade do fator tecidual em células fagocíticas, endoteliais e teciduais.

  • Câncer, particularmente adenocarcinomas do pâncreas, estômago, trato biliar, pulmão, próstata ou mama, e leucemia promielocítica aguda: as células tumorais expressam e expõem (ou liberam) fator tecidual.

  • Choque por qualquer condição, o qual causa lesão tecidual isquêmica e exposição ou liberação de fator tecidual.

As causas menos comuns da coagulação intravascular disseminada (CIVD) incluem

  • Lesão tecidual grave por traumatismo craniano, queimaduras, úlceras por geladura ou ferimentos por arma de fogo

  • Complicações da cirurgia da próstata permitindo que permitem material prostático com atividade do fator tecidual (juntamente com ativadores de plasminogênio) entrem na circulação

  • Enzimas de certos venenos de cobra que entram na circulação, ativam um ou vários fatores da coagulação, e geram trombina ou convertem diretamente o fibrinogênio em fibrina

  • Hemólise intravascular profunda, mais frequentemente durante reações transfusionais hemolíticas agudas decorrente da incompatibilidade ABO

  • Aneurismas aórticos ou hemangiomas cavernosos (síndrome de Kasabach-Merritt) com lesão da parede do vaso e áreas da estatese sanguínea

Coagulação intravascular disseminada que evolui lentamente costuma resultar principalmente de câncer, aneurisma ou hemangioma cavernoso.

Fisiopatologia da coagulação intravascular disseminada

A coagulação intravascular disseminada (CIVD) que se desenvolve lentamente ocasiona primariamente manifestações tromboembólicas venosas (p. ex., trombose venosa profunda, embolismo pulmonar), embora ocasionalmente ocorram vegetações de valvas cardíacas ou tromboembolismo arterial; sangramento é incomum.

A coagulação intravascular disseminada (CIVD) que evolui rapidamente, em contraste, causa trombocitopenia, depletação dos fatores de coagulação de plasma e fibrinogênio e sangramento. Sangramento para dentro de órgãos, juntamente com tromboses microvasculares, pode acarretar disfunção e deficiência em múltiplos órgãos. A dissolução demorada de polímeros de fibrina pela fibrinólise pode resultar na ruptura mecânica de eritrócitos, produzindo esquistócitos e hemólise intravascular leve.

Sinais e sintomas da coagulação intravascular disseminada (CIVD)

Na coagulação intravascular disseminada de evolução lenta, pode haver sintomas de trombose venosa e/ou sintomas de embolia pulmonar.

Na coagulação intravascular disseminada (CIVD) de evolução rápida, locais de picadas (p. ex., punções intravenosas ou arteriais) sangram persistentemente, as equimoses se formam nos locais de injeções parenterais e podem ocorrer sangramentos gastrointestinais sérias.

Diagnóstico de coagulação intravascular disseminada

  • Contagem de plaquetas, tempo de protrombina (TP), tempo de tromboplastina parcial (TTP), fibrogênio plasmático, d-dímero plasmático

Suspeita-se de coagulação intravascular disseminada em pacientes com sangramento inexplicável ou tromboembolia venosa ou arterial, especialmente se existir condição predisponente. Se há suspeita de coagulação intravascular disseminada (CIVD), realiza-se contagem de plaquetas, níveis de TP, TTP, fibrinogênio e dímero D no plasma (uma indicação de formação e degradação de polímeros de fibrina in vivo).

Coagulação intravascular disseminada (CIVD) de evolução lenta

Coagulação intravascular disseminada (CIVD) de evolução lenta produz

  • Trombocitopenia leve

  • TP normal a minimamente prolongado [os resultados costumam ser relatados como a razão normalizada internacional (RNI)]

  • Nível de fibrinogênio normal ou moderadamente reduzido

  • Aumento do nível plasmático de D-dímero

Como várias doenças estimulam a elevação da síntese de fibrinogênio como reagente de fase aguda, declínio do nível de fibrinogênio em 2 dosagens consecutivas pode ajudar a fazer o diagnóstico de coagulação intravascular disseminada (CIVD). Valores iniciais de PTT em coagulação intravascular disseminada (CIVD) de desenvolvimento mais lento podem, realmente, ser mais baixos que o normal, provavelmente em razão da presença de fatores de coagulação ativados no plasma.

Coagulação intravascular disseminada (CIVD) de evolução rápida

Coagulação intravascular disseminada (CIVD) de evolução rápida resulta em

  • Trombocitopenia mais grave

  • PT e PTT mais alargados

  • Nível de fibrinogênio plasmático em declínio rápido

  • Alto nível plasmático de D-dímero

A medição dos níveis de fator VIII pode, às vezes, ser útil se a CIVD aguda e grave precisar ser diferenciada de doença hepática grave, que pode produzir resultados laboratoriais semelhantes. Como o fator VIII não é sintetizado pelos hepatócitos, os níveis de fator VIII tendem a ser normais ou mesmo altos (o último em razão do papel do fator VIII como uma proteína de resposta inflamatória aguda) na doença hepática. Por outro lado, todos os fatores de coagulação são consumidos durante a CIVD, de modo que os níveis do fator VIII são geralmente reduzidos. Os níveis de dímero D também tendem a ser mais altos na CIVD do que na doença hepática.

Tratamento de coagulação intravascular disseminada

  • Tratamento da causa

  • Possivelmente terapia de reposição (p. ex., plaquetas, crioprecipitado, plasma fresco congelado)

  • Heparina, se necessário

A prioridade é a correção imediata da causa (p. ex., tratamento com antibióticos de amplo espectro em caso de suspeita de sepse Gram-negativa, evacuação do útero no descolamento prematuro da placenta, depleção do volume sanguíneo) (1). Se o tratamento for eficaz, a coagulação intravascular disseminada deve melhorar rapidamente.

Sangramento grave

Se o sangramento for profuso ou ocorrer em um local crítico (p. ex., cérebro, trato gastrointestinal), ou se houver necessidade urgente de cirurgia, então a terapia de reposição adjuvante é indicada. A substituição pode consistir em

  • Concentrados de plaquetas para corrigir a trombocitopenia (no caso de queda rápida da contagem de plaquetas ou de plaquetas < 10.000 a 20.000/microL [< 10 a 20 ×109/L])

  • Crioprecipitado para substituir o fibrinogênio (e o fator VIII) se o nível de fibrinogênio estiver caindo rapidamente ou for < 100 mg/dL (< 2,9 micromol/L).

  • Plasma fresco congelado para aumentar os níveis dos outros fatores de coagulação e anticoagulantes naturais (antitrombina, proteínas C, S e Z)

A efetividade da infusão dos concentrados de antitrombina na coagulação intravascular disseminada (CIVD) grave, de rápido desenvolvimento, é incerta. A reposição do volume sanguíneo em caso de hipotensão e é essencial para interromper a coagulação intravascular disseminada (CIVD). Concentrados de complexos de protrombina não são recomendados por causa do risco teórico de exacerbação de complicações tromboembólicas, embora não existam informações claras a respeito. Geralmente não se indica heparina na CIVD de evolução rápida com sangramento.

Coagulação intravascular disseminada (CIVD) de evolução lenta

A heparina é útil no tratamento da coagulação intravascular disseminada de desenvolvimento lento com trombose venosa ou arterial. Embora geralmente não se indique heparina na coagulação intravascular disseminada (CIVD) de evolução rápida com sangramento ou risco de sangramento, ela é indicada para mulheres com feto morto retido e CIVD evoluindo com diminuição progressiva de plaquetas, fibrinogênio e fatores de coagulação. Nessas pacientes, administra-se heparina por vários dias para controlar a coagulação intravascular disseminada (CIVD), aumentar os níveis de fibrinogênio e plaquetas e diminuir o consumo excessivo do fator de coagulação. A heparina é então suspensa e o útero é curetado. Heparina também pode ser útil para controlar a CIVD crônica associada a aneurismas, resultando em um aumento de fibrinogênio e plaquetas.

Referência sobre o tratamento

  1. 1. Levi M, Scully M. How I treat disseminated intravascular coagulation. Blood 2018;131(8):845-854. doi:10.1182/blood-2017-10-804096

Pontos-chave

  • Na coagulação intravascular disseminada (CID), a coagulação geralmente é ativada quando o sangue é exposto ao fator tecidual. A via fibrinolítica também é ativada junto com a cascata da coagulação.

  • A coagulação intravascular disseminada (CIVD) geralmente é de início rápido causando sangramento e oclusão microvascular, levando à falência de órgãos.

  • Algumas vezes, a coagulação intravascular disseminada (CIVD) tem início lento e provoca fenômenos tromboembólicos em vez de sangramento.

  • A coagulação intravascular disseminada (CIVD) de início rápido e grave causa trombocitopenia grave, tempo de protrombina e tempo de tromboplastina parcial prolongados, declínio rápido das concentrações séricas de fibrinogênio e alto nível plasmático de d-dímero.

  • A correção imediata da causa é a prioridade; sangramentos graves também podem exigir transfusão de concentrado de plaquetas, crioprecipitado (contendo fibrinogênio) e plasma fresco congelado (contendo outros fatores de coagulação).

  • A heparina é útil na coagulação intravascular disseminada (CIVD) de início lento, mas raramente na coagulação intravascular disseminada (CIVD) de início rápido (exceto nas mulheres com feto morto retido).

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