A endometriose fica confinada à superfície peritoneal ou à superfície serosa dos órgãos pélvicos, geralmente nos ovários, ligamentos largos, fundo de saco posterior e ligamentos uterossacros.
Locais menos comuns incluem tubas uterinas, superfícies serosas dos intestinos delgado e grosso, ureteres, bexiga, vagina, colo do útero, cicatrizes cirúrgicas e, mais raramente, o pulmão, pleura e pericárdio.
Acredita-se que sangramentos decorrentes de implantes peritoneais iniciem a inflamação estéril, seguida por deposição de fibrina, formação de aderências e, com o tempo, cicatrizes que distorcem as superfícies peritoneais dos órgãos, resultando em dor e anatomia pélvica distorcida.
Aprevalência relatada varia, mas é cerca de
6 a 10% em todas as mulheres
25 a 50% em mulheres inférteis
A média de idade ao diagnóstico é de 27 anos, mas a endometriose também ocorre em adolescentes.
Etiologia e fisiopatologia da endometriose
A hipótese mais amplamente aceita para a fisiopatologia da endometriose é de que as células endometriais são transportadas da cavidade uterina durante a menstruação e subsequentemente se implantam em locais ectópicos. Fluxo retrógrado do tecido menstrual pelas tubas uterinas é comum e pode transportar células endometriais viáveis para as cavidades pélvica e abdominal; o sistema linfático ou circulatório pode transportar as células endometriais viáveis para locais distantes (p. ex., a cavidade pleural).
Outra hipótese é a metaplasia celômica: o epitélio celômico se transforma em glândulas semelhantes às endometriais.
Microscopicamente, os implantes endometriais são constituídos por glândulas e estroma histologicamente idênticos ao endométrio localizado no interior da cavidade uterina. Esses tecidos contêm receptores de estrogênio e progesterona e, portanto, geralmente crescem, diferenciam-se e sangram em resposta a alterações nos níveis hormonais durante o ciclo menstrual; além disso, alguns implantes endometrióticos produzem estrogênio e prostaglandinas. Implantes podem se tornar autossustentáveis ou retroagirem, como pode ocorrer durante a gestação (provavelmente porque os níveis de progesterona são altos). Em última análise, os implantes causam inflamação e aumentam o número de macrófagos ativados e a produção de citocinas pró-inflamatórias.
A maior incidência em parentes de 1º grau de mulheres com endometriose e em grandes estudos com gêmeos (1 Referência em relação à etiologia e à fisiopatologia Na endometriose, as células endometriais funcionai são implantadas na pélvis fora da cavidade uterina. Os sintomas dependem do local dos implantes. A tríade clássica dos sintomas é dismenorreia... leia mais ) sugere que a hereditariedade é um fator.
Em pacientes com endometriose grave e anatomia pélvica distorcida, a taxa de infertilidade é alta, possivelmente porque a anatomia distorcida e inflamação interferem nos mecanismos de captação do óvulo, fertilização de oócitos e transporte tubal.
Algumas pacientes com endometriose mínima e anatomia pélvica normal, também são inférteis; as razões da fertilidade comprometida não estão claras, mas podem incluir:
Maior incidência da síndrome do folículo luteinizado não roto
Aumento da produção de prostaglandinas peritoneais ou da atividade dos macrófagos peritoneais que pode afetar a fertilização, os espermatozoides e a função dos oócitos
Endométrio não receptivo (por causa da disfunção na fase lútea ou outras anormalidades)
Potenciais fatores de risco para endometriose são
História familiar de parentes de 1º grau com endometriose
Gravidez tardia ou nuliparidade
Menarca precoce
Ciclos menstruais encurtados (< 27 dias) com menstruação intensa e prolongada (> 8 dias)
Defeitos do ducto paramesonéfrico (p. ex., remanescente não comunicante do corno uterino, hipoplasia cervical com obstrução da via de saída uterina)
Exposição a dietilestilbestrol no útero
Potenciais fatores de proteção parecem ser
Partos múltiplos
Lactação prolongada
Menarca tardia
Uso a longo prazo de contraceptivos orais em baixa dose (contínuos ou cíclicos)
Exercício regular (especialmente se iniciado antes dos 15 anos, se realizado por > 4 horas/semana, ou ambos)
Referência em relação à etiologia e à fisiopatologia
1. Saha R, Pettersson HJ, Svedberg P, et al: Heritability of endometriosis. Fertil Steril 104 (4):947–952, 2015. doi: 10.1016/j.fertnstert.2015.06.035 Epub 2015 Jul 22.
Sinais e sintomas da endometriose
A tríade clássica dos sintomas é dismenorreia, dispareunia e infertilidade. Dor pélvica cíclica na linha média, especificamente dor antes ou durante a menstruação (dismenorreia Dismenorreia Dismenorreia é a dor uterina por volta do período menstrual. A dor pode ocorrer com a menstruação ou precedê-la em 1 a 3 dias. A dor tende a alcançar a intensidade máxima 24 horas após o início... leia mais ) e durante relação sexual (dispareunia Transtorno de dor genitopélvica/penetração O transtorno da dor gênito-pélvica/penetração envolve dificuldades com a tentativa de penetração vaginal ou com a penetração completa durante uma relação sexual, incluindo contração involuntária... leia mais ), é típica e pode ser progressiva e crônica (duração > 6 meses). Massas anexiais e infertilidade também são típicas. Cistite intersticial Cistite intersticial Cistite intersticial é uma inflamação não infecciosa da bexiga, que causa dor (suprapúbica, pélvica e abdominal), polaciúria e urgência com incontinência. O diagnóstico se faz com base na história... leia mais com dor suprapúbica ou pélvica, frequência urinária e incontinência de urgência é comum. Sangramento intermenstrual é possível.
Algumas mulheres com endometriose extensa são assintomáticas; outras com endometriose mínima sofrem dores incapacitantes. Dismenorreia é um importante indicador no momento do diagnóstico, especialmente se começar depois de vários anos de menstruações relativamente sem dor.
Os sintomas muitas vezes diminuem ou desaparecem durante a gestação. A endometriose tende a se tornar inativa após a menopausa porque os níveis de estrogênio e progesterona diminuem.
Os sintomas podem variar de acordo com o local dos implantes.
Ovários: os implantes ovarianos podem formar endometriomas (massa cística de 2 a 10 cm localizada em um ovário); um endometrioma pode se romper, causando dor abdominal aguda e sintomas peritoneais
Estruturas anexiais: os implantes podem formar aderências anexiais, resultando em massa ou dor pélvica
Bexiga: disúria, hematúria, dor suprapúbica ou pélvica (particularmente durante a micção), polaciúria, urge-incontinência ou uma combinação de todos os sintomas
Intestino grosso: dor durante a evacuação, distensão abdominal, diarreia ou constipação ou sangramento retal durante a menstruação
Estruturas extrapélvicas: A endometriose não pélvica pode causar dor pélvica não específica
O exame pélvico pode ser normal, ou os achados podem incluir útero retrovertido e fixo, ovários maiores ou mais sensíveis, massas ovarianas fixas, septo reto-vaginal engrossado, induração do fundo de saco, nódulos no ligamento uterossacral e/ou massas anexiais. Raramente, podem-se visualizar lesões na vulva, colo do útero, vagina, cicatriz umbilical ou cicatrizes cirúrgicas.
Diagnóstico da endometriose
Visualização direta, geralmente durante a laparoscopia pélvica
Às vezes, biópsia
Suspeita-se de endometriose com base nos sintomas típicos. É comum confundir o diagnóstico com doença inflamatória pélvica, infecção do trato urinário ou síndrome do intestino irritável. Culturas cervicais e/ou urinárias negativas sugerem a possibilidade de endometriose.
Deve-se confirmar o diagnóstico de endometriose pela visualização direta, geralmente por meio de laparoscopia pélvica, mas algumas vezes também por laparotomia, exame vaginal, sigmoidoscopia ou cistoscopia. Biópsia não é necessária, mas os resultados confirmam o diagnóstico.
A aparência macroscópica (p. ex., lesões claras, vermelhas, azul, marrons, pretas) e o tamanho dos implantes variam durante o ciclo menstrual. Mas, tipicamente, as lesões iniciais são claras ou vermelhas (hemorrágicas). À medida que o sangue nas lesões se oxida, elas se tornam púrpuras e, depois, marrons; então se transformam em manchas marrons azuladas ou purpúreas com > 5 mm que lembram queimaduras por pólvora.
Microscopicamente, glândulas e estroma endometriais costumam estar presentes. Elementos estromais na ausência de elementos glandulares indicam uma variante rara da endometriose chamada endometriose estromal.
Exames de imagem não detectam de forma confiável a endometriose; entretanto, esses exames às vezes mostram a extensão da endometriose e, portanto, podem ser utilizados após o diagnóstico para monitorar a doença e a resposta ao tratamento. Uma ultrassonografia mostrando um cisto ovariano consistente com um endometrioma é altamente sugestiva do diagnóstico. A presença e o tamanho dos endometriomas ovarianos são parte do sistema de estadiamento da endometriose (estádio III: pequenos endometriomas; estádio IV: grandes endometriomas) e a diminuição no tamanho do endometrioma pode evidenciar uma resposta ao tratamento.
Como o tecido endometrial tem um sinal único de RM, a RM está se tornando cada vez mais útil para avaliar pacientes que podem apresentar endometriose (1 Referência sobre diagnóstico Na endometriose, as células endometriais funcionai são implantadas na pélvis fora da cavidade uterina. Os sintomas dependem do local dos implantes. A tríade clássica dos sintomas é dismenorreia... leia mais ). RM com ponderação em T1 e T2 pode detectar algumas lesões endometrióticas na pelve, sobretudo lesões maiores. Hemorragia nas tubas uterinas ou em um cisto ovariano sem aumento do fluxo sanguíneo sugere endometriose. Múltiplas áreas profundas e vastas de endometriose indicam endometriose grave (estágio IV).
Nenhum exame laboratorial contribui para o diagnóstico da endometriose.
Pode-se indicar testes para outras doenças de infertilidade Visão geral da infertilidade Em geral, define-se infertilidade como a incapacidade de conceber após 1 ano de relações sexuais regulares e desprotegidas. Infertilidade é definida como uma doença pela OMS. Em geral, as relações... leia mais .
Estadiar a endometriose ajuda os médicos a formular um plano de tratamento e avaliar a resposta à terapia. Segundo a American Society for Reproductive Medicine, a endometriose pode ser classificada como estágio I (mínima), II (leve), III (moderada) ou IV (grave), com base em
Número, localização e profundidade dos implantes
Presença de endometriomas e aderências finas ou densas (ver tabela Estágios da endometriose Estágios da endometriose )
O índice de endometriose e fertilidade (IEF) foi desenvolvido para estadiar infertilidade associada à endometriose; esse sistema pode ajudar a prever as taxas de gestação após vários tratamentos. Fatores utilizados na classificação IEF incluem
Idade da mulher
Número de anos de infertilidade
História ou ausência de gestações prévias
Classificação de função mínima para ambas as tubas uterinas, fímbrias e ovários
Classificações (lesão e total) de endometriose da American Society for Reproductive Medicine
Referência sobre diagnóstico
1. Guerriero S, Saba L, Pascual MA, et al: Transvaginal ultrasound vs magnetic resonance imaging for diagnosing deep infiltrating endometriosis: systematic review and meta‐analysis. Ultrasound Obstet Gynecol 51 (5):586–595, 2018. doi: 10.1002/uog.18961
Tratamento da endometriose
Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) para o desconforto
Contraceptivos de estrogênio-progesterona
Fármacos para inibir a função ovariana
Cirurgia conservadora de ressecção ou ablação do tecido endometriótico, com ou sem fármacos
Histerectomia total abdominal com ou sem salpingo-ooforectomia bilateral se a doença é grave e a paciente já tiver prole constituída
O tratamento conservador sintomático começa com analgésicos (geralmente AINEs) e contraceptivos hormonais.
Utilizam-se fármacos e cirurgia conservadora principalmente para controlar os sintomas. Na maioria das pacientes, a endometriose reaparece 6 meses a 1 ano depois da interrupção do tratamento, a menos que a função ovariana seja interrompida de maneira completa e permanente. A endometriose também pode recorrer após cirurgia conservadora.
O tratamento cirúrgico conservador da endometriose é excisão ou ablação dos implantes endometrióticos e remoção de aderências pélvicas durante a laparoscopia. Um tratamento mais definitivo deve ser individualizado com base na idade da paciente, sintomas, desejo de preservar a fertilidade e extensão do distúrbio.
Considera-se histerectomia abdominal total com ou sem salpingo-ooforectomia bilateral o tratamento definitivo da endometriose. Ajuda a prevenir complicações e modifica o curso da doença, além de aliviar os sintomas; entretanto, a endometriose pode recorrer.
Terapia medicamentosa
Fármacos que suprimem a função ovariana inibem o crescimento e a atividade dos implantes endometrióticos. Os seguintes costumam ser utilizados:
Só utilizam-se os fármacos a seguir quando as mulheres não podem tomar contraceptivos orais combinados ou quando o tratamento com contraceptivos orais combinados é ineficaz:
Progesteronas
Agonistas e antagonistas do hormônio liberador de gonadotropina (GnRH)
Danazol
Agonistas do GnRH aumentam inicialmente a secreção hipotalâmica de GnRH, mas o uso contínuo então diminui temporariamente a liberação hipofisária do hormônio foliculoestimulante (FSH), resultando em diminuição da produção de estrogênio pelos ovários; entretanto, o tratamento limita-se a ≤ 6 meses porque o uso a longo prazo pode resultar em perda óssea. Se o tratamento durar > 4 a 6 meses, pode-se utilizar progesterona ou bisfosfonatos simultaneamente para minimizar a perda óssea. Se houver recorrência da endometriose, será necessário tratar as mulheres novamente.
Elagolix, um antagonista do GnRH, diminui diretamente a secreção de GnRH e, assim, suprime a liberação hipofisária de FSH e a produção de estrogênio pelos ovários. Está disponível em 2 doses diferentes; a dose mais alta está disponível para tratar a dispareunia, bem como outros sintomas da endometriose. O uso a longo prazo pode resultar em perda óssea. Se o tratamento durar > 6 meses, pode-se utilizar progesterona simultaneamente (como terapia de reposição) para minimizar a perda óssea.
Relugolix, antagonista do GnRH, combinado com estradiol 1 mg e noretindrona 0,5 mg, está passando por ensaios clínicos para uso como tratamento primário da endometriose; essa combinação minimiza as ondas de calor e a perda óssea; o uso limita-se a 24 meses porque a possível perda óssea contínua pode ser irreversível.
O danazol, uma droga androgênica sintética e antigonadotrofina, inibe a ovulação. Entretanto, seus efeitos adversos androgênicos limitam o seu uso.
Combinação decontraceptivos hormonais orais cíclicos ou contínuos, administrados após o uso de danazol ou de agonistas do GnRH, podem reduzir a progressão da doença, sendo liberados para mulheres que desejam retardar os planos de uma gestação.
O tratamento medicamentoso não altera as taxas de fertilidade em mulheres com endometriose mínima ou leve.
Cirurgia
Tratam-se os casos moderados a graves de endometriose com maior efetividade por ablação ou excisão do maior número possível de implantes e, ao mesmo tempo, restauração da anatomia pélvica e preservação da fertilidade o máximo possível. Pode-se fazer ablação dos implantes endometrióticos superficiais. Para implantes profundos e extensos, excisão.
As indicações específicas para a cirurgia laparoscópica incluem
Dor pélvica moderada a grave que não responde a fármacos
Presença de endometriomas
Adesões pélvicas significativas
Obstrução da trompa uterina
Desejo de manter a fertilidade
Dor durante a relação sexual
A laparoscopia costuma ser utilizada para remover as lesões; as lesões peritoneais e ovarianas podem ser eletrocauterizadas ou, raramente, vaporizadas ou excisadas a laser. Endometriomas devem ser removidos porque a remoção previne a recorrência de forma mais eficaz do que a drenagem. Após esse tratamento, as taxas de fertilidade são inversamente proporcionais à gravidade da endometriose. Se a ressecção está incompleta, às vezes administram-se agonistas de GnRH durante o período perioperatório, mas não está claro se essa tática aumenta as taxas de fertilidade. A ressecção dos ligamentos uterossacros com eletrocauterização por via laparoscópica ou laser pode reduzir a dor na região mediana da pelve.
Pode-se tratar endometriose retovaginal, a forma mais grave da doença, com os tratamentos usuais para endometriose; entretanto, ressecção ou cirurgia do colon pode ser necessária para prevenir a obstrução do colo.
Deve-se reservar a histerectomia com ou sem conservação ovariana para pacientes com dor pélvica moderada a grave que não querem ter mais filhos e que preferem um procedimento definitivo. Faz-se histerectomia para remover aderências ou implantes que ligam-se ao útero ou fundo de saco.
Se mulheres < 50 anos exigem histerectomia com salpingo-ooforectomia bilateral, deve-se considerar suplementação de estrogênio (p. ex., para prevenir sintomas da menopausa). Além disso, a terapia concomitante e contínua com progesterona (p. ex., 2,5 mg de acetato de medroxiprogesterona por via oral uma vez ao dia) costuma ser recomendada porque, se apenas estrogênio é administrado, o tecido residual pode crescer, resultando em recorrência. Se os sintomas persistirem após a salpingo-ooforectomia em mulheres > 50, pode-se tentar a terapia contínua com progesterona isoladamente (acetato de noretindrona 2,5 to 5 m, acetato de medroxiprogesterona, 5 mg por via oral uma vez ao dia, progesterona micronizada, 100 a 200 mg por via oral ao deitar).
Pontos-chave
Endometriose é uma causa comum de dor pélvica cíclica e crônica, dismenorreia, dispareunia e infertilidade.
A fase da endometriose não se correlaciona com a gravidade dos sintomas.
Confirmar o diagnóstico geralmente por laparoscopia; biópsia não é imperativa, mas pode ajudar no diagnóstico.
Tratar a dor (p. ex., com AINEs) e, dependendo dos objetivos de fertilidade das pacientes, geralmente utilizar fármacos que suprimem a função do ovário para inibir o crescimento e a atividade dos implantes endometrióticos.
Para endometriose moderada a grave, considerar ablação ou excisão do maior número possível de implantes e, ao mesmo tempo, restaurar a anatomia pélvica normal.
Reservar a histerectomia para mulheres que tiveram os filhos desejados ou que preferem um procedimento definitivo.