Cólera

PorLarry M. Bush, MD, FACP, Charles E. Schmidt College of Medicine, Florida Atlantic University;
Maria T. Vazquez-Pertejo, MD, FACP, Wellington Regional Medical Center
Revisado/Corrigido: abr 2022
Visão Educação para o paciente

Cólera é infecção aguda do intestino delgado causada por bactérias Gram-negativas Vibrio cholerae, que secretam uma toxina que provoca diarreia aquosa copiosa, levando à desidratação, oligúria e colapso circulatório. A infecção tipicamente ocorre por meio de água ou mariscos contaminados. O diagnóstico é por cultura ou sorologia. O tratamento requer reidratação vigorosa e reposição de eletrólitos mais doxiciclina.

O agente etiológico, V. cholerae, sorogrupos O1 e O139, é um bacilo Gram-negativo, aeróbio, curto, curvo e móvel que produz enterotoxina, uma proteína que induz a hipersecreção de uma solução eletrolítica isotônica pela mucosa do intestino delgado. Os seres humanos são o único reservatório natural conhecido para V. cholerae. Após penetrarem a camada de muco, esses organismos colonizam o revestimento epitelial do intestino e secretam a toxina da cólera. Esses organismos não invadem a parede intestinal; assim, nenhum ou poucos leucócitos são encontrados nas fezes.

Tanto o El Tor como os biótipos clássicos de V. cholerae O1 podem causar doença grave. Mas infecção leve ou assintomática é muito mais comum com o biotipo El Tor predominante e com os sorogrupos não O1 e não O139 do V. cholerae.

A cólera é disseminada por ingestão de água, mariscos e outros alimentos contaminados pelos excrementos de pessoas com infecção sintomática ou assintomática. Contatos domiciliares dos pacientes com cólera têm alto risco de infecção que provavelmente ocorre por meio de fontes compartilhadas de água e alimentos contaminados. A transmissão de uma pessoa para outra é menos provável de ocorrer porque é necessário um grande inóculo do microrganismo para transmitir a infecção.

A cólera é endêmica em regiões da Ásia, Oriente Médio, África, América do Sul e Central e Costa do Golfo dos Estados Unidos. Em 2010, um surto começou no Haiti e durou até 2017. Mais tarde se disseminou para a República Dominicana e Cuba. Durante esse surto, mais de 820.000 pessoas adoeceram e quase 10.000 morreram. Casos transportados para Europa, Japão e Austrália provocaram epidemias localizadas. Um surto no Iêmen começou em 2016 e ainda está em andamento. Esse surto teve efeitos devastadores ainda maiores. Mais de 2,5 milhões de pessoas no Iêmen adoeceram e quase 4.000 morreram. Acredita-se que seja o maior surto de cólera e de mais rápida disseminação da história moderna.

Em áreas endêmicas, as epidemias ocorrem geralmente durante os meses quentes. A incidência é mais alta em crianças. Em áreas recentemente afetadas, as epidemias podem ocorrer durante qualquer estação e pessoas de todas as idades são igualmente suscetíveis.

Uma forma mais leve da gastroenterite é causada pelas cepas O1 e O139 de V. cholerae, que não produzem toxina da cólera.

A suscetibilidade à infecção varia e é maior em pessoas com tipo sanguíneo O. Como o vibrião é sensível ao ácido gástrico, hipocloridria e acloridria são fatores predisponentes.

Pessoas que vivem em áreas endêmicas gradualmente adquirem uma imunidade natural.

Sinais e sintomas da cólera

O período de incubação para cólera é 1 a 3 dias. A cólera pode ser subclínica, caracterizada por um episódio de diarreia não complicada e discreta, ou uma doença fulminante, potencialmente letal.

O início dos sintomas é geralmente abrupto, indolor, com diarreia aquosa e vômitos. Náuseas significantes estão tipicamente ausentes. Evacuação de fezes em adultos pode exceder 1 L/hora, mas geralmente é muito menor. Muitas vezes, as fezes consistem em evacuação líquida sem material fecal (fezes em água de arroz).

A intensa depleção de água e eletrólitos provoca intensa sede, oligúria, cãibras dos músculos, fraqueza e perda acentuada de turgor dos tecidos, com olhos afundados e pregas de pele nos dedos. Também ocorrem hipovolemia, hemoconcentração, oligúria e anúria e acidose metabólica intensa com depleção de potássio (mas concentração normal de sódio no soro). Quando não tratada, pode ocorrer colapso circulatório com cianose e estupor. A hipovolemia prolongada pode provocar necrose tubular renal.

A maioria dos pacientes elimina V. cholerae dentro de 2 semanas após a interrupção da diarreia, mas alguns se tornam portadores crônicos nas vias biliares.

Diagnóstico da cólera

  • Cultura de fezes e sorogrupagem/subtipagem

Confirma-se o diagnóstico da cólera por cultura de fezes (é recomendável o uso de meio seletivo) mais sorogrupagem/subtipagem subsequente. Há testes para V. cholerae disponíveis em laboratórios de referência; a reação em cadeia da polimerase (PCR) também é uma opção. Testes rápidos com tiras reagentes para a cólera estão disponíveis para uso na saúde pública em áreas com acesso limitado a exames laboratoriais; contudo, a especificidade deste teste não é ideal, de modo que amostras positivas ao teste com tira reagente devem ser confirmadas por cultura, se possível.

A cólera deve ser diferenciada das doenças clinicamente semelhantes causadas por cepas produtoras de enterotoxinas de Escherichia coli e, ocasionalmente, por Salmonella e Shigella.

Eletrólitos séricos, ureia e creatinina devem ser medidos.

Tratamento da cólera

  • Reposição de líquidos

  • Doxiciclina, azitromicina, furazolidona ou sulfametoxazol-trimetoprima (SMX-TMP) ou ciprofloxacina, dependendo do resultado do teste de suscetibilidade

Reposição de líquidos

A reposição de líquidos perdidos é essencial. Casos leves podem ser tratados com fórmulas padrão de reidratação oral. A correção rápida de hipovolemia grave é vital. Prevenção ou correção de acidose metabólica e hipopotassemia são importantes. Para pacientes gravemente hipovolêmicos e desidratados, deve ser empregada reposição intravenosa com líquidos isotônicos (ver Reidratação oral). Água também deve ser dada livremente pela boca.

Para repor perdas de potássio, pode-se acrescentar cloreto de potássio, 10 a 15 mEq/L (10 a 15 mmol/L), à solução intravenosa; ou pode-se administrar bicarbonato de potássio, 1 mL/kg, por via oral, de uma solução a 100 g/L 4 vezes ao dia. Reposição de potássio é especialmente importante para crianças com pouca tolerância à hipopotassemia.

Quando o volume intravascular for restabelecido (fase de reidratação), as quantidades repostas devem igualar o volume de fezes medido (fase de manutenção). Hidratação adequada é confirmada por meio de avaliação clínica frequente (frequência e intensidade do pulso, turgor da pele, produção de urina). Plasma, expansores de volume plasmático e vasopressores não devem ser utilizados no lugar de água e eletrólitos.

Solução oral de glicose-eletrólito é eficaz na substituição de perdas de fezes e pode ser utilizada após reidratação intravenosa inicial, sendo possivelmente o único meio de reidratação em áreas epidêmicas em que o suprimento de líquidos parenterais é limitado. Pacientes com desidratação discreta ou moderada, capazes de ingerir líquidos, podem ser reidratados exclusivamente com solução oral (aproximadamente 75 mL/kg em 4 horas). Aqueles com desidratação mais grave necessitam mais e podem precisar receber o líquido por meio de sonda nasogástrica.

A solução de reidratação oral (SRO) recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) contém 13,5 g de glicose, 2,6 g de cloreto de sódio, 2,9 g de di-hidrato de citrato trissódico (ou 2,5 g de bicarbonato de potássio) e 1,5 g de cloreto de potássio por litro de água potável. Essa solução é mais bem preparada utilizando pacotes pré-medidos, selados e amplamente disponíveis de glicose e sais; um pacote é misturado com 1 L de água limpa. O uso desses pacotes de SRO preparados minimiza a possibilidade de erro quando pessoas não treinadas misturam a solução. Se pacotes de SRO não estão disponíveis, um substituto razoável pode ser produzido misturando metade da pequena colher de sal e 6 colheres pequenas de açúcar em 1 L de água limpa. A SRO deve ser continuada ad libitum após a reidratação em quantidade pelo menos igual à perdida em fezes contínuas e vômitos.

Alimentos sólidos só devem ser dados após cessarem os vômitos e o apetite retornar.

Antimicrobianos

O tratamento precoce com um antimicrobiano oral eficaz erradica vibriões, reduz o volume de fezes para 50% e cessa a diarreia em 48 horas. A escolha do antimicrobiano deve ser feita com base na suscetibilidade de V. cholerae isolado da comunidade.

Recomenda-se doxiciclina como tratamento de primeira linha para adultos (incluindo gestantes) e crianças. Se for documentada resistência à doxiciclina, azitromicina e ciprofloxacina são alternativas [ver também Recommendations for the Use of Antibiotics for the Treatment of Cholera do Centers for Disease Control and Prevention (CDC)].

As doses orais recomendáveis (ver também Recommendations for the Use of Antibiotics for the Treatment of Cholera do CDC) para cepas suscetíveis incluem

  • Doxiciclina: para adultos, incluindo gestantes e crianças ≥ 12 anos, dose única de 300 mg; para crianças < 12 anos, dose única de 2 a 4 mg/kg

  • Azitromicina: para adultos, incluindo gestantes e crianças ≥ 12 anos, dose única de 1 g; para crianças < 12 anos de idade, dose única de 20 mg/kg (máximo de 1 g)

  • Ciprofloxacino: para adultos, incluindo gestantes e crianças ≥ 12 anos de idade, dose única de 1 g; para crianças < 12 anos de idade, dose única de 20 mg/kg (máximo de 1 g)

Prevenção da cólera

Para controlar a cólera, os excrementos humanos devem ser dispostos corretamente e o suprimento de água purificado. Nas regiões endêmicas, a água ingerida deve ser fervida ou clorada e legumes e mariscos, bem cozidos.

A profilaxia antibiótica para contatos domiciliares dos pacientes com cólera não é recomendada porque não há dados suficientes que corroborem essa medida. Além disso, a resistência a antibióticos surgiu em epidemias anteriores ao administrar profilaxia com antibióticos a contatos domiciliares de pacientes com cólera.

Vacinas contra cólera

Várias vacinas orais contra cólera estão disponíveis.

Uma vacina monovalente viva atenuada de dose única de V. cholerae CVD 103-HgR liofilizada está disponível nos Estados Unidos para adultos entre 18-64 anos que viajam para áreas infectadas por cólera. Protege contra doenças causadas por V. cholerae O1. A eficácia da essa vacina depois de 3 a 6 meses é desconhecida.

3 vacinas orais de células inteiras mortas estão disponíveis para uso em crianças e adultos em todo o mundo, mas não nos Estados Unidos:

  • Uma vacina monovalente [vacina contra diarreia e cólera dos viajantes ([Dukoral®)] contém apenas as bactérias O1 e El Tor V. cholera mais uma pequena quantidade de toxina de cólera não tóxica da subunidade b; antes de tomar, deve ser misturado ao líquido tampão (o pacote de tampão é dissolvido em 150 mL de água fria).

  • Duas vacinas bivalentes (ShanChol® e Euvichol®) contêm sorogrupos O1 e O139 de V. cholera e não têm componentes adicionados, eliminando a necessidade de ingestão de líquidos no momento da vacinação.

Essas três vacinas fornecem 60 a 85% de proteção por até 5 anos. Exigem 2 doses e doses de reforço são recomendadas após 2 anos para pessoas em risco permanente de cólera.

Vacinas injetáveis fornecem menos proteção por períodos mais curtos de tempo com mais efeitos adversos e não são recomendadas quando houver alguma vacina oral disponível.

Pontos-chave

  • Os sorogrupos O1 e O139 do V. cholerae secretam uma enterotoxina que podem causar doença diarreica grave, algumas vezes fatal, que muitas vezes ocorre nos grandes surtos causados por exposição em massa à água ou aos alimentos contaminados.

  • Outros sorogrupos de V. cholerae podem causar doença mais leve não epidêmica.

  • Diagnosticar por meio de cultura de fezes e sorotipagem; um teste rápido com tiras reagentes ajuda na identificação de surtos em áreas remotas.

  • A reidratação é crítica; a solução de reidratação oral é adequada para a maioria dos casos, mas os pacientes com depleção grave de volume exigem líquidos IV.

  • Administrar doxiciclina ou azitromicina aos adultos infectados (para gestantes e crianças) enquanto se aguardam os resultados dos testes de suscetibilidade.

Informações adicionais

O recurso em inglês a seguir pode ser útil. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo deste recurso.

  1. Centers for Disease Control and Prevention (CDC): Recommendations for the Use of Antibiotics for the Treatment of Cholera

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