Fluxo de ar, volumes pulmonares e curvas fluxo-volume

PorKaren L. Wood, MD, Grant Medical Center, Ohio Health
Revisado/Corrigido: abr 2022
Visão Educação para o paciente

As avaliações de índice de fluxo e volume pulmonar podem ser utilizadas para diferenciar as doenças pulmonares obstrutivas das restritivas, caracterizar a gravidade da doença e avaliar as respostas terapêuticas. As avaliações são classicamente relatadas em fluxos e volumes absolutos e em porcentagens de valores predeterminados e derivados de grandes populações, compostas de indivíduos presumidamente portadores de função pulmonar normal. Variáveis que auxiliam a predizer os valores normais envolvem idade, sexo, etnia e altura.

A correção considerando-se a etnia do indivíduo é um tema controverso. Por exemplo, coortes históricas de adultos majoritariamente norte-americanos e europeus mostraram volumes pulmonares mais baixos em vários grupos étnicos não brancos (p. ex., negros, hispânicos, asiáticos) do que em brancos. Entretanto, alguns consideram que fatores ambientais e não genéticos são igualmente ou mais importantes do que as diferenças genéticas para explicar essas desproporcionalidades. Estudos descobriram que os valores de fluxo e volume não ajustados são mais preditivos dos desfechos do que os valores ajustados pela etnia, sugerindo que esses ajustes podem resultar em sub-reconhecimento (e, portanto, subtratamento) das diminuições reais da função pulmonar em indivíduos não brancos.

Fluxo de ar

As avaliações quantitativas dos fluxos inspiratório e expiratório são obtidas pela espirometria forçada. Utiliza-se clipes nasais para ocluir as narinas.

Nas avaliações do fluxo expiratório, o paciente inspira o mais profundamente possível, sela seus lábios em torno do bocal e expira o mais vigorosa e completamente possível em um aparelho que registra o volume expirado (capacidade vital forçada [CVF]) e o volume expirado no primeiro segundo (volume expiratório forçado no primeiro segundo [VEF1], ver figura Espirograma normal). A maioria dos aparelhos recentes avalia o fluxo e o tempo integrado com o objetivo de estimar o volume expirado.

Nas avaliações do volume e fluxo inspiratórios, o paciente expira da forma mais completa possível e então inspira vigorosamente.

Essas manobras fornecem várias medições:

  • CVF: quantidade máxima de ar que o paciente pode expirar vigorosamente após ter realizado uma inspiração máxima

  • VEF1: volume exalado no primeiro segundo

  • Pico de fluxo expiratório (PFE): velocidade máxima do fluxo de ar quando o paciente expira

VEF1 é o parâmetro de fluxo mais reprodutível, sendo especialmente útil no diagnóstico e no monitoramento de pacientes com doença pulmonar obstrutiva (p. ex., asma, DPOC [doença pulmonar obstrutiva crônica]).

VEF1 e CVF ajudam a diferenciar doenças pulmonares obstrutivas e restritivas. Uma VEF1 normal torna improvável uma doença pulmonar obstrutiva irreversível, enquanto uma CVF normal torna improvável uma doença restritiva.

Espirograma normal

FEF25–75% = fluxo expiratório forçado durante a expiração de 25–75% da CVF; FEV1= volume expiratório forçado no primeiro segundo da manobra de capacidade vital forçada; CVF = capacidade vital forçada (a quantidade máxima de ar expirada vigorosamente após a inspiração máxima).

O fluxo expiratório forçado, avaliado durante a expiração de 25 a 75% da CVF, pode ser um indicador mais sensível de obstrução leve das vias respiratórias de pequeno calibre do que o VEF1, mas a reprodutibilidade é baixa.

O fluxo expiratório de pico (FEP) é o fluxo máximo que ocorre durante a expiração. Essa variável é utilizada principalmente para o monitoramento domiciliar de pacientes com asma e para a determinação de variações diurnas do fluxo aéreo.

A interpretação dessas avaliações depende de esforço adequado do paciente, que frequentemente é aperfeiçoado pelo treinamento durante a manobra real. Espirogramas aceitáveis demonstram

  • Bom início de teste (p. ex., um início rápido e vigoroso da expiração)

  • Nenhuma tosse

  • Curvas suaves

  • Ausência de término precoce da expiração (p. ex., tempo de exalação mínimo de 6 segundos sem nenhuma alteração no volume para o último segundo)

Esforços reprodutíveis têm concordância dentro de 5% ou 100 mL com outros esforços. Resultados que não satisfazem esses critérios mínimos aceitáveis devem ser interpretados com cautela.

Volume pulmonar

Os volumes pulmonares são avaliados pela determinação da capacidade residual funcional (CRF). CRF é a quantidade de ar que permanece nos pulmões após a exalação normal. Capacidade pulmonar total (CPT) é o volume de gás que está contido nos pulmões no final da inspiração máxima.

Volumes pulmonares normais

VRE = volume de reserva expiratório; CRF = capacidade residual funcional; CI = capacidade inspiratória; VRI = volume de reserva inspiratório; VR = volume residual; CPT = capacidade pulmonar total; CV = capacidade vital; VT= volume corrente.

CRF = VR + VRE; CI = VT + VRI; CV = VT+ VRI + VRE.

Avalia-se a CRF com o uso de técnicas de diluição gasosa ou um pletismógrafo (que é mais preciso em pacientes que têm limitação do fluxo aéreo e gás aprisionado).

As técnicas de diluição gasosa incluem

  • Remoção de nitrogênio

  • Equilíbrio de hélio

Com a remoção de nitrogênio, o paciente exala até a CRF e, a seguir, respira em um espirômetro que contém oxgênio a 100%. O teste termina quando a concentração de nitrogênio exalada for zero. O volume coletado de nitrogênio exalado é igual a 81% da CRF inicial.

Com o equilíbrio de hélio, o paciente exala até a CRF e, em seguida, conecta-se a um sistema fechado contendo volumes conhecidos de hélio e oxigênio. Avalia-se a concentração de hélio até que seja a mesma na inalação e na exalação, indicando o equilíbrio deste com o volume de gás no pulmão, que é estimado pela diluição de hélio.

Ambas as técnicas podem subestimar a CRF, pois avaliam apenas o volume pulmonar que se comunica com as vias respiratórias superiores. Nos pacientes com limitação grave do fluxo aéreo, um volume considerável de gás aprisionado pode se comunicar muito pouco ou não ter qualquer comunicação.

A pletismografia de câmara corporal utiliza a lei de Boyle para medir o volume de gás compressível dentro do tórax e é mais precisa que as técnicas de diluição gasosa. O paciente senta-se em uma câmara hermética e tenta inalar contra um bocal fechado a partir da CRF. À medida que a parede torácica se expande, a pressão na câmara hermética aumenta. Conhecendo-se o volume pré-inspiratório da câmara e a pressão nesta antes e depois do esforço inspiratório, é possível calcular a modificação do volume da caixa, que deve ser igual à modificação do volume pulmonar.

Lei de Boyle
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P = pressão; V = volume

O conhecimento da CRF permite que o pulmão seja dividido em subvolumes que são avaliados pela espirometria ou calculados (ver figura Volumes pulmonares normais). Normalmente, a CRF representa cerca de 40% da CPT.

Calculadora clínica

Curva fluxo-volume

Em contraposição ao espirograma, que revela o fluxo (em litros) no decorrer do tempo (em segundos), a curva fluxo-volume revela o fluxo (em L/s) relacionado com o volume pulmonar (em litros) durante inspiração máxima da exalação completa (volume residual [VR]) e durante a expiração máxima da inalação completa (CPT). A vantagem principal da curva fluxo-volume é que esta pode mostrar se os fluxos são apropriados para um determinado volume pulmonar. Por exemplo, o fluxo de ar normalmente é mais lento com volumes pulmonares baixos porque a retração elástica é menor em volumes pulmonares mais baixos. Pacientes com fibrose pulmonar têm baixos volumes pulmonares e seu fluxo de ar parece estar diminuído se avaliado isoladamente. Entretanto, quando se mede o fluxo em relação aos volumes pulmonares, torna-se aparente que o fluxo está, na verdade, mais elevado que o normal, em virtude do aumento da retração elástica, característico dos pulmões fibróticos.

Curvas fluxo-volume

(A) Normal. A alça inspiratória da curva é simétrica e convexa. A alça expiratória é linear. Frequentemente, avaliam-se os índices de fluxo no ponto central das capacidades inspiratória e expiratória. O fluxo inspiratório máximo em 50% da capacidade vital forçada (FIM 50% CVF) é maior do que o fluxo expiratório máximo em 50% da CVF (FEM 50% CVF), pois ocorre compressão dinâmica das vias respiratórias durante a expiração.

(B) Doença obstrutiva (p. ex., enfisema, asma). Embora todos os índices de fluxo estejam diminuídos, há predominância de prolongamento da expiração e FEM < FIM. Às vezes, o pico do fluxo expiratório é utilizado para estimar o grau de obstrução das vias respiratórias, mas depende do esforço do paciente.

(C) Doença restritiva (p. ex., doença pulmonar intersticial, cifoescoliose). A curva é estreita em virtude da redução dos volumes pulmonares. Os índices de fluxo são maiores do que o normal com volumes pulmonares comparáveis, uma vez que o aumento da retração elástica dos pulmões mantém as vias respiratórias abertas.

(D) Obstrução fixa das vias respiratórias superiores (p. ex., estenose traqueal e bócio). O topo e o fundo das curvas estão retificados, de maneira que a configuração se aproxima daquela do retângulo. A obstrução fixa limita igualmente o fluxo durante a inspiração e a expiração e FEM = FIM.

(E) Obstrução extratorácica variável (p. ex., paralisia e disfunção unilateral das pregas vocais). Quando há paralisia de uma única prega vocal, esta se move passivamente com o gradiente de pressão através da glote. Durante a inspiração forçada, é arrastada para dentro, resultando em um platô de redução do fluxo inspiratório. Durante a expiração forçada, é impelida passivamente para o lado e o fluxo expiratório não é comprometido. Portanto, FIM 50% CVF < FEM 50% CVF.

(F) Obstrução intratorácica variável (p. ex., traqueomalácia). Durante uma inspiração forçada, a pressão pleural negativa retém a traqueia “frouxa” aberta. Com a expiração forçada, a perda da sustentação estrutural resulta em um estreitamento da traqueia e em um platô de fluxo reduzido. O fluxo é mantido brevemente antes que ocorra a compressão das vias respiratórias.

CVF = capacidade vital forçada; FEM = fluxo expiratório máximo; FIMI = fluxo inspiratório máximo; PFE = pico de fluxo expiratório; VR = volume residual; CPT = capacidade pulmonar total.

As curvas fluxo-volume exigem a avaliação dos volumes pulmonares absolutos. Infelizmente, muitos laboratórios simplesmente plotam o fluxo de ar em relação à CVF; a curva fluxo-CVF não tem um membro inspiratório e, portanto, não fornece o mesmo número de informações.

Padrões de anormalidades

As doenças respiratórias mais comuns podem ser classificadas como obstrutivas ou restritivas, com base nos índices de fluxo e nos volumes pulmonares (ver tabela Alterações fisiológicas características associadas às doenças pulmonares).

Tabela

Doenças obstrutivas

A doença obstrutiva é a redução dos índices de fluxo, particularmente o VEF1 e o VEF1 como porcentagem da CVF (VEF1/CVF). O nível de redução de VEF1 comparado com os valores previstos determina o grau do defeito de obstrução (ver tabela Gravidade das doenças pulmonares obstrutivas e restritivas). Os defeitos obstrutivos são provocados por:

  • Aumento da resistência ao fluxo de ar por causa de anormalidades dentro do lúmen das vias respiratórias (p. ex., tumores, secreções e espessamento da mucosa)

  • Alterações da parede das vias respiratórias (p. ex., contração da musculatura lisa, edema)

  • Redução na retração elástica (p. ex., destruição do parênquima que ocorre no enfisema)

Com a diminuição dos índices de fluxo, os tempos expiratórios são mais longos que os habituais e o ar pode ficar aprisionado nos pulmões em decorrência do esvaziamento incompleto e do aumento dos volumes pulmonares (p. ex., CPT e VR).

Tabela

A melhora do VEF1 e/ou CVF ≥ 12% e 200 mL com a administração de um broncodilatador confirma o diagnóstico de asma ou hiper-reatividade das vias respiratórias. Entretanto, alguns pacientes com asma podem ter função pulmonar normal e parâmetros espirométricos normais entre as exacerbações. Quando a presunção de asma permanece elevada apesar da espirometria normal, indicam-se testes provocativos com metacolina, um análogo sintético da acetilcolina, que é um estimulante brônquico inespecífico, para detectar ou excluir a broncoconstrição. No teste provocativo com metacolina, avaliam-se os parâmetros espirométricos em condições basais e após a inalação de concentrações crescentes de metacolina. A concentração de metacolina que provoca uma queda de 20% na VEF1 é chamada PC20. Os laboratórios têm definições diferentes sobre a hiper-reatividade das vias respiratórias, mas, geralmente, a concentração provocativa de metacolina que causa uma queda de 20% no VEF1 em condições basais (PC20) de < 1 mg/mL é considerada diagnóstica de asma, ao passo que PC20 > 16 mg/mL exclui o diagnóstico. Valores de PC20 entre 1 e 16 mg/mL são inconclusivos.

Pode-se utilizar o teste de esforço para detectar broncoconstrição induzida por esforço, mas é menos sensível que o teste provocativo com metacolina para a detecção de aumento da resposta das vias respiratórias em geral. O paciente efetua um nível constante de trabalho na esteira ou na bicicleta ergométrica por 6 a 8 minutos, em uma intensidade selecionada para alcançar a frequência cardíaca de 80% daquela máxima prevista. O VEF1 e a CVF são avaliados antes e depois de 5, 15 e 30 minutos de exercício. O espasmo brônquico induzido pelo exercício reduz o VEF1 ou a CVF 15% após o exercício.

Hiperventilação voluntária eucápnica (HVE) também pode ser utilizada para diagnosticar a broncoconstrição induzida pelo exercício. A HVE envolve hiperventilação de uma mistura de gases com 5% de dióxido de carbono e 21% de oxigênio a 85% da ventilação voluntária máxima durante 6 minutos. A VEF1 é então medida a intervalos especificados após o teste. Como em outros testes de provocação brônquica, a queda do VEF1 que caracteriza o diagnóstico de espasmo brônquico induzido por exercício varia de acordo com o laboratório.

Doenças restritivas

Doença restritiva é a redução do volume pulmonar, especificamente a CPT < 80% do valor previsto. Entretanto, na doença restritiva precoce, a CPT pode estar normal (como resultado de forte esforço inspiratório) e a única anormalidade pode ser a redução do VD. A diminuição da CPT determina a gravidade da restrição (ver tabela Gravidade das doenças obstrutivas e restritivas). A redução dos volumes pulmonares provoca a diminuição dos índices de fluxo (redução de VEF1—ver figura Curvas fluxo-volume B). Entretanto, o fluxo aéreo relacionado com o volume específico é elevado, de maneira que a fração VEF1/CVF é normal ou aumentada.

Os defeitos restritivos são causados por:

  • Perda de volume pulmonar (p. ex., lobectomia)

  • Anormalidades de estruturas que circundam o pulmão (p. ex., doença pleural, cifose, obesidade)

  • Fraqueza dos músculos inspiratórios da respiração (p. ex., doença neuromuscular)

  • Anormalidades do parênquima pulmonar (p. ex., fibrose pulmonar)

A característica comum a todas essas condições é a diminuição da complacência dos pulmões, da parede torácica, ou de ambos.

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