Dor neuropática

PorJames C. Watson, MD, Mayo Clinic College of Medicine and Science
Revisado/Corrigido: mar 2022
Visão Educação para o paciente

Dor neuropática resulta de lesão ou disfunção do sistema nervoso periférico ou central, em vez da estimulação de receptores de dor. O diagnóstico é sugerido por dor desproporcional à lesão tecidual, disestesia (p. ex., queimação, formigamento) e sinais de lesão de nervos detectada durante o exame neurológico. O tratamento costuma ser feito com fármacos adjuvantes em vez de analgésicos (p. ex., fármacos antidepressivos, anticonvulsivantes, baclofeno, fármacos tópicos) ou com tratamentos não farmacológicos (p. ex., fisioterapia, neuromodulação).

(Ver também Visão geral da dor.)

A dor pode se desenvolver após lesão em qualquer nível do sistema nervoso, central ou periférico, e pode envolver o sistema nervoso simpático (dor de manutenção simpática). Síndromes específicas incluem

Etiologia da dor neuropática

A dor neuropática pode resultar de atividade eferente (dor de manutenção simpática) ou da interrupção da atividade aferente (dor de desaferentação).

A lesão ou disfunção nervosa periférica pode resultar em dor neuropática. Exemplos são

  • Mononeuropatias [envolvem um único nervo (p. ex., síndrome do túnel do carpo, radiculopatia decorrente de disco intervertebral herniado)]

  • Plexopatias (envolvem múltiplos nervos em um plexo neural específico; tipicamente causadas por trauma, inflamação ou compressão do nervo, como por um tumor)

  • Polineuropatias (envolvem múltiplos nervos, muitas vezes por todo o corpo; tipicamente causadas por doenças metabólicas diversas, paraproteinemias, exposições a subtâncias tóxicas [p. ex., álcool, quimioterapia]), predisposição hereditária ou, raramente, mecanismos imunomediados — ver tabelas Causas de doenças do sistema nervoso periférico)

Os mecanismos da dor neuropática são complexos e envolvem alterações

  • No nível do nociceptor periférico e do nervo

  • No gânglio da raiz dorsal

  • Nas vias nociceptivas e nas estruturas terminais do sistema nervoso central (SNC)

No nível do nervo periférico e do nociceptor, a lesão resulta em inflamação e na ativação e sobrerrepresentação dos canais de cátions, particularmente dos canais de sódio. Essas alterações reduzem o limiar de ativação e aumentam a resposta a estímulos nocivos. Em estados crônicos, o nervo periférico desencadeia continuamente sinais ectópicos nociceptivos para o SNC. Esse bombardeamento de estímulos nociceptivos periféricos contínuos leva a alterações nos nociceptores receptivos (sensibilização central); eles ficam de prontidão, interpretam a dor de estímulos menores [incluindo estímulos não dolorosos (alodinia)] como uma dor substancial, e interpretam essa dor como proveniente de uma área mais ampla do que efetivamente é. Pode-se reverter essas alterações, pelo menos temporariamente, se for possível interromper os estímulos nociceptivos periféricos.

As síndromes de dor neuropática central (dor causada por disfunção das vias somatossensitivas no SNC) podem resultar de qualquer lesão do SNC, mas essas síndromes ocorrem mais comumente após um acidente vascular encefálico, resultam de lesão medular ou estão associadas a uma placa desmielinizante de esclerose múltipla. Para ser considerada dor neuropática central, a dor deve ocorrer na área clinicamente afetada pela lesão no SNC; no entanto, não precisa envolver toda a área afetada. A dor neuropática central só se desenvolve se o trato espinotalâmico (sensibilidade dolorosa e térmica) apresentar mau funcionamento. Se as sensibilidades dolorosa e térmica estiverem normais na área em que se suspeita de dor neuropática central, deve-se considerar outra fonte de dor. A causa da dor em pacientes com comprometimento neurológico é mais comumente musculoesquelética (p. ex., dor no ombro relacionada com a paresia do braço depois de um AVE ou síndrome de uso excessivo dos membros superiores em pacientes com lesão medular usuários de cadeira de rodas).

A dor por desaferentação decorre da interrupção parcial ou completa da atividade neural aferente central ou periférica. Exemplos são

Os mecanismos são desconhecidos, mas podem envolver a sensibilização de neurônios centrais, com baixos limiares de ativação e expansão dos campos receptivos.

Às vezes, as síndromes de dor neuropática estão associadas à hiperatividade do sistema nervoso simpático. A hiperatividade simpática não causa dor neuropática, mas pode contribuir para suas características clínicas e gravidade. Chama-se a dor resultante dor de manutenção simpática, que depende da atividade simpática eferente. Às vezes, a síndrome da dor regional complexa abrange a dor de manutenção simpática. Outros tipos de dor neuropática podem apresentar um componente de manutenção simpática. Não se sabe o que desencadeia a hiperatividade simpática em alguns estados de dor neuropática e não em outros. Os mecanismos provavelmente envolvem conexões nervosas anormais simpático-somáticas (efapses), mudanças inflamatórias locais e alterações na medula espinal.

Sinais e sintomas da dor neuropática

Disestesias (dor em queimação espontânea ou evocada, geralmente com componente lancinante sobreposto) são típicas, mas a dor também pode ser profunda e contínua. Outras sensações — p. ex., hiperestesia, hiperalgesia, alodinia (dor decorrente de estímulo não nocivo) e hiperpatia (resposta, particularmente desagradável, à dor exagerada) — também podem ocorrer.

Os pacientes podem relutar em mover a parte dolorosa do corpo, resultando em atrofia muscular, anquilose articular, perda óssea, e limitação dos movimentos.

Os sintomas são duradouros, persistindo normalmente após resolução da causa primária (se houver alguma), visto que o sistema nervoso central foi sensibilizado e remodelado.

Diagnóstico da dor neuropática

  • Avaliação clínica

A dor neuropática é sugerida por sintomas típicos quando a lesão do nervo é conhecida ou suspeita. A causa (p. ex., amputação, diabetes, compressão) pode ser imediatamente perceptível. Do contrário, supõe-se o diagnóstico com base na descrição dos sintomas; entretanto, esses descritores (p. ex., queimação) não são sensíveis nem específicos para dor neuropática. Assim, avaliação mais profunda, como exame neurológico e estudos eletrofisiológicos, são úteis para confirmar o diagnóstico e identificar o nervo lesado. A dor aliviada por bloqueio nervoso simpático é a dor de manutenção simpática.

Tratamento da dor neuropática

  • Terapia multimodal (p. ex., métodos físicos, antidepressivos, anticonvulsivantes, métodos psicoterapêuticos, neuromodulação, às vezes, cirurgia)

O sucesso no tratamento da dor neuropática começa com a confirmação do diagnóstico correto e o tratamento das causas tratáveis (p. ex., disco herniado, síndrome do túnel do carpo). Além de fármacos, são necessárias mobilização e fisioterapia para dessensibilizar áreas de alodinia e prevenir alterações tróficas, atrofia por desuso e ancilose articular. Os fatores psicológicos devem ser considerados desde o início do tratamento. A ansiedade e a depressão devem ser tratadas de forma adequada. Se a dor persistir, um bloqueio neural pode ajudar. Quando a disfunção não responde aos tratamentos de primeira linha, os pacientes podem se beneficiar da abordagem abrangente fornecida por uma clínica para dor.

Neuromodulação (estimulação da medula espinal ou nervo periférico) é particularmente eficaz para dor neuropática.

Várias classes de fármacos são eficazes (ver tabela Fármacos para dor neuropática), mas o alívio completo é improvável, e é importante estabelecer expectativas realistas. O objetivo do tratamento farmacológico é diminuir a dor neuropática para que esta seja menos debilitante.

Tabela

Analgésicos opioides podem proporcionar algum alívio, mas geralmente são menos eficazes do que para a dor nociceptiva aguda e estão associados ao risco de dependência; os efeitos adversos podem impedir a analgesia adequada.

Analgésicos adjuvantes, como fármacos antidepressivos e anticonvulsivantes, são mais comumente utilizados para tratar a dor neuropática e sua eficácia é corroborada por dados de ensaios clínicos randomizados (1; ver tabela Fármacos para dor neuropática).

A gabapentina é um dos fármacos mais utilizado para esses objetivos. Para obter uma analgesia eficaz, a dose geralmente deve ser > 600 mg por via oral 3 vezes ao dia, e muitos pacientes precisam de uma dose mais elevada. A dose máxima é geralmente considerada de 1200 mg por via oral 3 vezes ao dia.

A pregabalina é similar à gabapentina, mas tem farmacocinética mais estável; uma dose 2 vezes ao dia é tão eficaz quanto uma dose 3 vezes ao dia e resulta em melhor adesão do paciente. O objetivo da dose é de pelo menos 300 mg/dia por via oral (p. ex., uma dose inicial de 75 mg 2 vezes ao dia, aumentada para 150 mg 2 vezes ao dia depois de 1 semana). As síndromes de dor neuropática podem exigir até 600 mg/dia. Alguns pacientes que não respondem bem ou não toleram a gabapentina respondem ou toleram a pregabalina e vice-versa, embora os dois fármacos tenham um mecanismo de ação primária semelhante (ligação ao ligante alfa 2 delta do canal de cálcio pré-sináptico, que modula a sinalização nociceptiva).

Entre os antidepressivos tricíclicos (amitriptilina, nortriptilina e desipramina), o mecanismo de ação primária é o bloqueio da recaptação de serotonina e norepinefrina. As doses analgésicas (75 a 150 mg por via oral uma vez ao dia) costumam ser insuficientes para tratar a depressão ou a ansiedade. Os efeitos adversos anticolinérgicos e adrenérgicos costumam limitar a dose eficaz. Os antidepressivos tricíclicos de aminas secundárias (nortriptilina e desipramina) têm um perfil de efeitos adversos mais favorável do que os antidepressivos tricíclicos de aminas terciárias (amitriptilina).

A duloxetina é um novo inibidor de recaptação misto (serotonina e noradrenalina), que parece ser eficaz para dor da neuropatia diabética, fibromialgia, dor musculoesquelética crônica (incluindo dor lombar), e neuropatia induzida por quimioterapia. As doses eficazes para depressão e ansiedade e para o controle da dor são semelhantes.

Os efeitos e o mecanismo de ação da venlafaxina são semelhantes aos da duloxetina.

Os fármacos tópicos e emplastro contendo lidocaína podem ser eficazes para síndromes periféricas.

Outros tratamentos potencialmente eficazes incluem

  • Estimulação da coluna por um eletrodo inserido de modo epidural para certos tipos de dor neuropática (p. ex., dor crônica no membro inferior após cirurgia da coluna)

  • Podem ser implantados eletrodos ao longo dos nervos periféricos e dos gânglios para certas neuralgias crônicas (estimulação nervosa periférica)

  • Em geral, o bloqueio simpático é ineficaz, exceto para alguns pacientes com síndrome da dor regional complexa

  • Bloqueio ou ablação neural (ablação por radiofrequência, crioablação, quimoneurólise)

  • Estimulação nervosa elétrica transcutânea (TENS)

Referência sobre o tratamento

  1. 1. Finnerup NB, Attal N, Haroutounian S, et al: Pharmacotherapy for neuropathic pain in adults: a systematic review and meta-analysis. Lancet Neurol 14 (2):162–173, 2015. doi: 10.1016/S1474-4422(14)70251-0

Pontos-chave

  • A dor neuropática pode resultar de atividade eferente (dor de manutenção simpática) ou da interrupção da atividade aferente (dor de desaferentação).

  • Considerar a dor neuropática se os pacientes têm disestesia ou se a dor é desproporcional à lesão tecidual e se há suspeita de lesão nervosa.

  • Tratar os pacientes utilizando múltiplas modalidades (p. ex., fármacos antidepressivos ou anticonvulsivantes, analgésicos, métodos psicoterapêuticos, fisioterapia e terapia ocupacional, neuromodulação, cirurgia).

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