(Ver também Estrutura e função hepáticas Estrutura e função do fígado O fígado é um órgão metabolicamente complexo. Os hepatócitos (células parenquimatosas do fígado) realizam as funções metabólicas do fígado: Formação e excreção de bile como um componente do... leia mais e Avaliação do paciente com doença hepática Avaliação do paciente com doença hepática A história e o exame físico costumam sugerir uma causa para os possíveis distúrbios hepáticos e restringem o escopo dos testes para distúrbios hepáticos e biliares. Vários são os sintomas que... leia mais .)
Insuficiência hepática pode ser classificada de várias maneiras, mas nenhum sistema é universalmente aceito (ver tabela ).
Etiologia da insuficiência hepática aguda
Em geral, as causas mais comuns da insuficiência hepática aguda são
Vírus, principalmente hepatite B
Fármacos e toxinas, mais comumente paracetamol
Em países com condições sanitárias precárias, geralmente considera-se a hepatite viral a causa mais comum; em países onde há saneamento eficaz, toxinas costumam ser consideradas a causa mais comum.
Em geral, a causa viral mais comum é a hepatite B Hepatite B (aguda) A hepatite B é causada por um vírus de DNA muitas vezes transmitido parentericamente. Ela provoca sintomas típicos de hepatite viral, incluindo anorexia, mal-estar e icterícia. Hepatite fulminante... leia mais , frequentemente com coinfecção por hepatite D Hepatite D A hepatite D é causada por um vírus de RNA defeituoso (agente delta) que tem a capacidade de se replicar apenas na presença do HBV. Ocorre raramente como uma coinfecção com a hepatite B aguda... leia mais ; a hepatite C não é uma causa comum. Outras causas virais possíveis incluem citomegalovírus Infecção por citomegalovírus (CMV) Citomegalovírus (CMV, human herpesvirus type 5) pode causar infecções que têm uma ampla extensão de gravidade. Uma síndrome de mononucleose infecciosa que não apresenta faringite grave é comum... leia mais , vírus de Epstein-Barr Mononucleose infecciosa A mononucleose infecciosa é causada pelo vírus Epstein-Barr (herpes-vírus humano tipo 4) e caracteriza-se por fadiga, febre, faringite e linfadenopatia. A fadiga pode persistir durante semanas... leia mais , vírus herpes simples Infecções por herpes-vírus simples (HSV) O herpes-vírus simples (herpes-vírus humanos tipos 1 e 2) geralmente provoca infecção recorrente que afeta a pele, a cavidade oral, os lábios, os olhos e os órgãos genitais. Infecções graves... leia mais , herpes vírus humano tipo 6, parvovírus B19 Eritema infeccioso (infecção por parvovírus B19) O eritema infeccioso é causado por infecção aguda pelo parvovírus humano B19. Em crianças, provoca sintomas constitucionais leves e erupção maculopapular ou mancha-macia começando nas bochechas... leia mais , vírus varicela-zoster Catapora A catapora é uma infecção aguda sistêmica, normalmente da infância, causada pelo vírus da varicela zóster (herpes-vírus humano tipo 3). Inicia-se, geralmente, com sintomas constitucionais leves... leia mais , vírus da hepatite A Hepatite A Hepatite A é causada por um vírus de RNA transmitido entericamente que, em crianças mais velhas e adultos, provoca sintomas típicos da hepatite viral, incluindo anorexia, mal-estar e icterícia... leia mais , vírus de hepatite E Hepatite E A hepatite E é causada por um vírus de RNA transmitido entericamente e provoca os sintomas típicos da hepatite viral, incluindo anorexia, mal-estar e icterícia. Hepatite fulminante e morte são... leia mais (especialmente se contraído durante a gestação) e vírus que causam febre hemorrágica (ver Visão geral de infecções por arbovírus, arenavírus e filovírus Visão geral de infecções por arbovírus, arenavírus e filovírus ).
A toxina mais comum é o paracetamol Intoxicação por paracetamol Intoxicação pelo paracetamol pode causar gastrenterite horas após a ingestão e hepatotoxicidade em 1 a 3 dias. Após superdosagem, a gravidade da hepatotoxicidade é previsível pelos níveis de... leia mais ; sua toxicidade está relacionada com a dose. Os fatores predisponentes para insuficiência hepática induzida por paracetamol incluem doença hepática preexistente, uso crônico de álcool e uso de fármacos que induzem o sistema enzimático P-450 do citocromo (p. ex., anticonvulsivantes). Outras toxinas incluem antibióticos (notavelmente, amoxicilina/clavulanato), halotano, compostos de ferro, isoniazida, anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), alguns compostos de produtos herbáceos e cogumelos Amanita phalloides (ver Lesão hepática provocada por fármacos Lesão hepática provocada por fármacos Muitos fármacos (p. ex., estatinas) frequentemente causam elevações assintomáticas nas enzimas hepáticas [aspartato aminotransferase (AST), alanina aminotransferase (ALT), fosfatase alcalina]... leia mais ). Algumas reações medicamentosas são idiossincráticas.
As causas menos comuns incluem
Doenças vasculares
Distúrbios metabólicos
Hepatites autoimunes
Causas vasculares incluem trombose da veia hepática (síndrome de Budd-Chiari Síndrome de Budd-Chiari A síndrome de Budd-Chiari é a obstrução de efluxo hepático venoso que se origina em qualquer lugar desde os pequenos ramos da veia hepática dentro do fígado até a veia cava inferior e o átrio... leia mais ), hepatite isquêmica Hepatite isquêmica A hepatite isquêmica é a lesão hepática difusa decorrente do inadequado suprimento sanguíneo de oxigênio. (Ver também Visão geral dos distúrbios vasculares do fígado.) As causas são geralmente... leia mais , trombose da veia porta Trombose da veia portal A trombose de veia porta gera hipertensão portal e consequente sangramento digestório varicoso, geralmente de esôfago baixo ou estômago. O diagnóstico baseia-se em ultrassonografia. O tratamento... leia mais e síndrome de obstrução sinusoidal hepática (também chamada de doença hepática veno-oclusiva Síndrome de obstrução sinusoidal A síndrome de obstrução sinusoidal hepática é causada por lesão endotelial, levando à oclusão não trombótica das vênulas hepáticas terminais e dos sinusoides hepáticos, em vez de afetar as veias... leia mais ), que às vezes é induzida por fármacos ou toxinas. Causas metabólicas incluem esteatose hepática da gestação Esteatose da gestação Hepatopatias na gestação podem ser Únicas para a gestação Preexistente Coincidentes com a gestação e possivelmente agravadas pela gestação Icterícia pode ser resultado de doenças obstétricas... leia mais , síndrome HELLP (hemólise, testes hepáticos elevados e plaquetopenia), síndrome de Reye Síndrome de Reye A síndrome de Reye é uma forma rara da encefalopatia aguda e infiltração gordurosa do fígado que ocorre quase exclusivamente em crianças e adolescentes A causa da síndrome de Reye é desconhecida... leia mais e doença de Wilson Doença de Wilson A doença de Wilson resulta em acúmulo de cobre no fígado e em outros órgãos. Sintomas neurológicos e hepáticos se desenvolvem. O diagnóstico baseia-se em baixos níveis de ceruloplasmina, alta... leia mais . Outras causas incluem hepatite autoimune Visão geral da hepatite crônica A hepatite crônica é aquela que persiste por > 6 meses. As causas comuns são os vírus das hepatites B e C, esteato-hepatite não alcoólica (EHNA), hepatopatia alcoólica e doença hepática autoimune... leia mais , infiltração hepática metastática, intermação e sepse. A causa não pode ser determinada em até 20% dos casos.
Fisiopatologia da insuficiência hepática aguda
Na insuficiência hepática aguda, múltiplos sistemas de órgãos têm mau funcionamento, muitas vezes por razões desconhecidas e por mecanismos desconhecidos. Os sistemas afetados incluem
Hepática: hiperbilirrubinemia quase sempre está presente na apresentação. O grau de hiperbilirrubinemia Distúrbios metabólicos inatos que causam hiperbilirrubinemia Defeitos metabólicos hereditários ou inatos podem causar hiperbilirrubinemia conjugada ou não conjugada (ver Visão geral do metabolismo da bilirrubina). Hiperbilirrubinemia não conjugada: síndrome... leia mais é um dos indicadores da gravidade da insuficiência hepática. Coagulopatia, devido a síntese hepática prejudicada dos fatores de coagulação, é comum. Necrose hepatocelular, indicada pelo aumento dos níveis de aminotransferases, está presente.
Cardiovascular: resistência vascular periférica e diminuição da pressão arterial, causando circulação hiperdinâmica com o aumento da frequência cardíaca e do débito cardíaco.
Cerebral: ocorre encefalopatia portossistêmica, possivelmente secundária ao aumento da produção de amônia por substâncias nitrogenadas no intestino. Edema cerebral é comum entre os pacientes com encefalopatia severa secundária à insuficiência hepática aguda; herniação uncal é possível e geralmente fatal.
Renal: por razões desconhecidas, ocorre lesão renal aguda Lesão renal aguda Lesão renal aguda (LRA) é a diminuição rápida da função renal ao longo de dias a semanas, causando acúmulo de produtos nitrogenados no sangue (azotemia) com ou sem redução na quantidade de débito... leia mais em até 50% dos pacientes. O nível de nitrogênio da ureia sanguíneaéééééé depende da função da síntese hepática, o nível pode estar enganosamente baixo; assim, o nível de creatinina indica melhor a lesão renal. Como na síndrome hepatorrenal Síndrome hepatorrenal Doenças hepáticas frequentemente produzem alterações e sintomas sistêmicos. (Ver também Estrutura e função hepáticas e Avaliação do paciente com doença hepática.) A hipotensão consequente à... leia mais , o sódio na urina e a excreção fracionada de sódio diminuem mesmo quando não são utilizados diuréticos e lesão tubular está ausente (como pode ocorrer quando toxicidade do paracetamol é a causa).
Imunológica: defeitos do sistema imunitário se desenvolvem; incluem opsonização defeituosa, complemento deficiente, leucócitos disfuncionais e células killer. Aumenta a translocação bacteriana do trato gastrointestinal. Infecções respiratórias e do aparelho urinário Introdução a infecções do trato urinário As infecções do trato urinário podem ser divididas em infecções do trato urinário superior, que abrangem os rins ( pielonefrite), e infecções do trato urinário inferior, que afetam a bexiga... leia mais e sepse Sepse e choque séptico A sepse é uma síndrome clínica de disfunção de órgãos com risco de vida, causada por uma resposta desregulada a infecções. No choque séptico há uma redução crítica da perfusão tecidual; pode... leia mais são comuns; agentes patogênicos podem ser de origem bacteriana, viral ou fúngica.
Metabólica: tanto alcalose metabólica Alcalose metabólica Alcalose metabólica é o aumento primário de bicarbonato (HCO3−), com ou sem aumento compensatório da pressão parcial do dióxido de carbono (Pco2); o pH pode estar elevado ou quase... leia mais como respiratória Alcalose respiratória Alcalose respiratória é a diminuição primária da pressão parcial de dióxido de carbono (PCO2) com ou sem redução compensatória do bicarbonato (HCO3−); o pH pode estar alto ou quase... leia mais podem ocorrer cedo. Se choque se desenvolver, a acidose metabólica Acidose metabólica Acidose metabólica é a redução primária no bicarbonato (HCO3−), tipicamente com diminuição compensatória da pressão parcial de dióxido de carbono (Pco2); o pH pode estar acentuadamente... leia mais pode se manifestar. A hipopotassemia Hipopotassemia A hipopotassemia consiste na concentração plasmática de potássio < 3,5 mEq/L (< 3,5 mmol/L), provocada por uma deficiência nos depósitos corporais totais de potássio ou movimentação anormal... leia mais é comum, em parte porque o tônus simpático diminui e diuréticos são utilizados. Hipopotassemia Hipofosfatemia A hipofosfatemia caracteriza-se por concentração plasmática de fosfato < 2,5 mg/dL (0,81 mmol/L). As causas são alcoolismo, queimaduras, inanição e uso de diuréticos. As características clínicas... leia mais e hipomagnesemia Hipomagnesemia A hipomagnesemia caracteriza-se pela concentração plasmática de magnésio < 1,8 mg/dL (< 0,70 mmol/L). As causas incluem ingestão inadequada de magnésio e absorção ou aumento de excreção... leia mais podem se desenvolver. Pode ocorrer hipoglicemia Hipoglicemia Hipoglicemia ou baixo nível de glicose no plasma podem resultar em estimulação do sistema nervoso simpático e disfunção do sistema nervoso central. Em pacientes com diabetes em uso de insulina... leia mais porque o glicogênio hepático é depletado e a gliconeogênese e degradação de insulina são prejudicadas.
Pulmonar: edema pulmonar não cardiogênico pode se desenvolver.
Sinais e sintomas da insuficiência hepática aguda
Manifestações características são status mental alterado (geralmente parte da encefalopatia portossistêmica Encefalopatia portossistêmica A encefalopatia portossistêmica é uma síndrome neuropsiquiátrica que pode se desenvolver em pacientes com doença hepática. Em geral, resulta de elevadas taxas de absorção entérica proteica ou... leia mais ) e icterícia Icterícia A icterícia é a coloração amarelada da pele, das escleras e de outros tecidos causado pelo excesso de bilirrubina circulante. Icterícia torna-se visível quando o nível de bilirrubinas se encontra... leia mais . Manifestações de uma doença hepática crônica, como ascite Ascite É a condição em que há líquido livre na cavidade peritoneal. Sua causa mais comum é a hipertensão portal. Os sintomas geralmente decorrem da distensão abdominal. O diagnóstico é alcançado com... leia mais , excluem a existência de uma condição aguda, mas podem estar presentes na insuficiência hepática subaguda. Outros sintomas podem ser inespecíficos (p. ex., mal-estar, anorexia) ou resultam da doença primária. Fetor hepaticus (um odor de mofo ou hálito doce) e disfunção motora são comuns. Taquicardia, taquipneia e hipotensão podem ocorrer com ou sem sepse. Os sinais de edema cerebral podem incluir obnubilação, coma, bradicardia e hipertensão. Os pacientes com infecção às vezes têm sintomas localizados (p. ex., tosse, disúria Disúria Disúria corresponde à micção dolorosa ou desconfortável, tipicamente uma sensação aguda de queimação. Algumas doenças podem causar dolorimento sobre a bexiga e períneo. Disúria é um sintoma... leia mais ), mas esses sintomas podem estar ausentes. Apesar da razão normalizada internacional (RNI) prolongada, o sangramento é raro, a menos que os pacientes apresentem coagulação intravascular disseminada (CID) Coagulação intravascular disseminada (CIVD) A coagulação intravascular disseminada (CIVD) envolve geração anormal e excessiva de trombina e fibrina no sangue circulante. Durante o processo, ocorre aumento da agregação plaquetária e consumo... leia mais . Isso ocorre porque os pacientes com insuficiência hepática aguda têm uma distribuição reequilibrada dos fatores pró e anticoagulantes e, se houver, esses pacientes são mais frequentemente hipercoaguláveis (1, 2 Referência sobre sinais e sintomas Insuficiência hepática aguda é causada mais frequentemente por fármacos e vírus. Manifestações cardinais são icterícia, coagulopatia e encefalopatia. O diagnóstico é clínico. O tratamento é... leia mais ).
Referência sobre sinais e sintomas
1. Hugenholtz GC, Adelmeijer J, Meijers JC, et al: An unbalance between von Willebrand factor and ADAMTS13 in acute liver failure: Implications for hemostasis and clinical outcome. Hepatology 58(2):752-761, 2013. doi: 10.1002/hep.26372
2. Lisman T, Bakhtiari K, Adelmeijer J, et al: Intact thrombin generation and decreased fibrinolytic capacity in patients with acute liver injury or acute liver failure. J Thromb Haemost10(7):1312-1319, 2012. doi: 10.1111/j.1538-7836.2012.04770.x
Diagnóstico de insuficiência hepática aguda
Prolongamento da razão normalizada internacional (RNI) a ≥ 1,5 e manifestações clínicas da encefalopatia em pacientes sem história prévia de doença hepática crônica
Para determinar a causa: história de uso de fármacos, exposição a toxinas, exames sorológicos para os vírus das hepatites Sorologia É a inflamação hepática difusa causada por vírus específicos hepatotrópicos que apresentam diversos modos de transmissão e epidemiologia. Um pródromo viral não específico é seguido de anorexia... leia mais , marcadores autoimunes e outros exames com base na suspeita clínica
Deve-se suspeitar de insuficiência hepática aguda Insuficiência hepática aguda Insuficiência hepática aguda é causada mais frequentemente por fármacos e vírus. Manifestações cardinais são icterícia, coagulopatia e encefalopatia. O diagnóstico é clínico. O tratamento é... leia mais se pacientes sem doença hepática crônica subjacente nem cirrose têm início agudo de icterícia e/ou transaminases elevadas, acompanhadas de coagulopatia e alterações do status mental. Pacientes com doença hepática conhecida com descompensação aguda não são considerados como tendo insuficiência hepática aguda, mas, em vez disso, insuficiência hepática crônica agudizada, que tem fisiopatologia diferente daquela da insuficiência hepática aguda.
Testes laboratoriais para confirmar a presença e gravidade da insuficiência hepática incluem enzimas hepáticas e níveis de bilirrubina e razão normalizada internacional (RNI). Em geral, considera-se a insuficiência hepática aguda confirmada se o sensório está alterado e o RNI é > 1,5 em pacientes que têm evidência clínica e/ou laboratorial de lesão hepática aguda. A evidência de cirrose sugere que a insuficiência hepática é crônica.
Pacientes com insuficiência hepática grave devem ser examinados em busca de complicações. Os testes normalmente feitos durante a avaliação inicial incluem hemograma completo, eletrólitos séricos (incluindo Cálcio, fosfato e magnésio), testes de função renal e análise da urina. Se insuficiência hepática aguda é confirmada, a gasometria arterial, hemograma, tipagem e exame sanguíneos também devem ser feitos. Recomenda-se mensuração dos níveis plasmáticos de amônia para ajudar a predizer o prognóstico porque níveis mais altos (> 150 a 200) predizem um risco aumentado de edema cerebral (1 Referência sobre diagnóstico Insuficiência hepática aguda é causada mais frequentemente por fármacos e vírus. Manifestações cardinais são icterícia, coagulopatia e encefalopatia. O diagnóstico é clínico. O tratamento é... leia mais ). Se os pacientes têm circulação hiperdinâmica e taquipneia, culturas (sangue, urina, líquido ascítico) e radiografia do tórax devem ser realizadas para descartar infecção. Se o paciente apresenta comprometimento ou agravamento do status mental, particularmente o paciente com coagulopatia, deve-se realizar uma TC de crânio para descartar edema cerebral ou, menos provavelmente, sangramento intracraniano.
Para determinar a causa da insuficiência hepática aguda, os médicos devem obter uma história completa das toxinas ingeridas, incluindo prescrição de fármacos de venda livre, fitoterápicos e suplementos alimentares. Exames feitos rotineiramente para determinar a causa incluem
Testes sorológicos de hepatite viral Sorologia É a inflamação hepática difusa causada por vírus específicos hepatotrópicos que apresentam diversos modos de transmissão e epidemiologia. Um pródromo viral não específico é seguido de anorexia... leia mais (p. ex., anticorpo IgM para vírus da hepatite A [IgM anti-HAV], antígeno de superfície da hepatite B [HBsAg], anticorpos IgM para antígeno hepatite B de núcleo [IgM anti-HBcAg], anticorpo para o vírus da hepatite C [anti- HCV])
Marcadores autoimunes (p. ex., anticorpos antinucleares, anticorpo antimúsculo liso, níveis de imunoglobulina)
Outros exames são feitos com base em resultados e suspeita clínica, como:
Viagens recentes a países onde o saneamento é ruim: testes para hepatites Causas da hepatite Hepatite é uma inflamação do fígado caracterizada por necrose difusa ou irregular. A hepatite pode ser aguda ou crônica (geralmente definida como duração de > 6 meses). A maioria dos casos de... leia mais A, B, D e E
Mulheres em idade fértil: teste de gravidez
Idade < 40 anos, anemia hemolítica e padrão mostrando baixo nível de fosfatase alcalina com relação fosfatase alcalina/bilirrubina total < 4 e nível de aspartato aminotransferase (AST) maior do que o nível de alanina aminotransferase (ALT), com elevações na ALT e AST (embora geralmente < 2.000): verificar o nível de ceruloplasmina à procura de Doença de Wilson Doença de Wilson A doença de Wilson resulta em acúmulo de cobre no fígado e em outros órgãos. Sintomas neurológicos e hepáticos se desenvolvem. O diagnóstico baseia-se em baixos níveis de ceruloplasmina, alta... leia mais
Suspeita de uma doença com anormalidades estruturais (p. ex., síndrome de Budd-Chiari Síndrome de Budd-Chiari A síndrome de Budd-Chiari é a obstrução de efluxo hepático venoso que se origina em qualquer lugar desde os pequenos ramos da veia hepática dentro do fígado até a veia cava inferior e o átrio... leia mais , trombose da veia portal Trombose da veia portal A trombose de veia porta gera hipertensão portal e consequente sangramento digestório varicoso, geralmente de esôfago baixo ou estômago. O diagnóstico baseia-se em ultrassonografia. O tratamento... leia mais , metástases hepáticas Câncer hepático metastático Metástases hepáticas são comuns em muitos tipos de câncer, especialmente os de trato gastrointestinal, mama, pulmão e pâncreas. Os primeiros sintomas geralmente são inespecíficos (p. ex., perda... leia mais ): ultrassonografia e às vezes outro exame por imagem
Os pacientes devem ser cuidadosamente monitorados quanto a complicações (p. ex., mudanças sutis nos sinais vitais compatíveis com infecção) e o limiar dos testes deve ser baixo. Por exemplo, os médicos não devem supor que o agravamento do estado mental é decorrente de encefalopatia; nesses casos, TC da cabeça e testes de glicose no leito costumam ser feitos. Por causa do alto risco de infecção, a American Association for the Study of Liver Diseases (AASLD) sugere considerar a realização de hemoculturas de vigilância a cada 48 horas. Testes laboratoriais de rotina (p. ex., RNI diário, eletrólitos séricos, testes de função renal, glicemia e gasometria arterial) devem ser repetidos com frequência na maioria dos casos. Contudo, os testes talvez precisem ser mais frequentes (p. ex., glicose no sangue a cada 2 horas em pacientes com encefalopatia grave).
Referência sobre diagnóstico
1. Bernal W, Hall C, Karvellas CJ, et al: Arterial ammonia and clinical risk factors for encephalopathy and intracranial hypertension in acute liver failure. Hepatology 46(6):1844-1852, 2007. doi: 10.1002/hep.21838
Tratamento da insuficiência hepática aguda
Medidas de suporte
Às vezes, transplante de fígado
(Ver também the American Association for the Study of Liver Diseases [AASLD] practice guideline Management of Acute Liver Failure: Update 2011 and the European Association for the Study of the Liver Practical Guidelines on the Management of Acute [Fulminant] Liver Failure.)
Sempre que possível, os pacientes devem ser tratados em uma unidade de terapia intensiva em um centro capaz de fazer transplante de fígado Transplante de fígado O transplante de fígado é o 2º tipo mais comum de transplante de órgão sólido. (Ver também Visão geral do transplante.) As indicações de transplante hepático são Cirrose (70% dos transplantes... leia mais . Os pacientes devem ser transportados o mais rapidamente possível porque a deterioração pode ser rápida e complicações (p. ex., sangramento, aspiração, choque) tornam-se mais prováveis à medida que a insuficiência hepática avança.
Terapia intensiva de suporte é a base do tratamento. Fármacos que podem agravar manifestações da insuficiência hepática aguda (p. ex., hipotensão, sedação) devem ser evitadas ou utilizadas nas doses mais baixas possíveis.
Para hipotensão e lesão renal aguda, o objetivo do tratamento é maximizar a perfusão tecidual. O tratamento é feito com hidratação venosa e, normalmente, até a sepse ser descartada, antibióticos empíricos. Se a hipotensão é refratária a cerca de 20 mL/kg de solução cristaloide, os médicos devem considerar a medição da pressão de oclusão capilar pulmonar para orientar a fluidoterapia. Se a hipotensão persistir apesar das pressões de enchimento adequadas, os médicos devem considerar o uso de vasopressores (p. ex., dopamina, adrenalina, noradrenalina).
Para encefalopatia, a cabeceira do leito é elevada em 30° para reduzir o risco de aspiração; a entubação deve ser considerada precocemente. Ao selecionar fármacos e doses dos fármacos, os médicos devem procurar minimizar a sedação para que eles possam monitorar a gravidade da encefalopatia. Propofol é o fármaco de indução usual para entubação porque ela protege contra hipertensão intracraniana e tem uma duração breve de ação, permitindo recuperação rápida da sedação. Não há evidências de que tratamentos como lactulose ou rifaximina ajudem a aliviar a encefalopatia na insuficiência hepática aguda, embora sejam úteis na encefalopatia portossistêmica Encefalopatia portossistêmica A encefalopatia portossistêmica é uma síndrome neuropsiquiátrica que pode se desenvolver em pacientes com doença hepática. Em geral, resulta de elevadas taxas de absorção entérica proteica ou... leia mais . Além disso, a lactulose pode causar íleo paralítico Íleo Íleo paralítico é a parada temporária do peristaltismo intestinal. Ocorre com muita frequência após cirurgia abdominal, em particular quando os intestinos foram manipulados. Os sintomas são... leia mais e produzir gás que distende os intestinos, o que pode ser problemático se for necessária uma laparotomia (p. ex., para transplante de fígado) (1 Referências sobre o tratamento Insuficiência hepática aguda é causada mais frequentemente por fármacos e vírus. Manifestações cardinais são icterícia, coagulopatia e encefalopatia. O diagnóstico é clínico. O tratamento é... leia mais ). As medições são feitas para evitar o aumento da pressão intracraniana (PIC) e evitar a diminuição da pressão de perfusão cerebral:
Para evitar aumentos repentinos na PIC: estímulos que podem desencadear uma manobra de Valsalva são evitados (p. ex., lidocaína é administrada antes de sucção endotraqueal para evitar reflexo de vômito).
Para diminuir temporariamente o fluxo de sangue cerebral: manitol (0,5 a 1 g/kg, repetido 1 ou duas vezes se necessário) pode ser administrado para induzir a diurese osmótica, e hiperventilação breve pode ser utilizada, em particular quando há suspeita de hérnia. (Entretanto, o manitol é contraindicado para lesão renal aguda e a osmolalidade sérica deve ser verificada antes de administrar uma segunda dose.)
Para monitorar a PIC: não está claro se ou quando os riscos de monitoramento da PIC (p. ex., infecção, sangramento) superam os benefícios de ser capaz de detectar edema cerebral precoce e ser capaz de utilizar a PIC para orientar a fluidoterapia e terapia vasopressora; alguns especialistas recomendam esse monitoramento se a encefalopatia é grave. Mas nenhum dado indica que o monitoramento da PIC tem impacto sobre a mortalidade (2 Referências sobre o tratamento Insuficiência hepática aguda é causada mais frequentemente por fármacos e vírus. Manifestações cardinais são icterícia, coagulopatia e encefalopatia. O diagnóstico é clínico. O tratamento é... leia mais ). Os objetivos do tratamento são uma PIC de < 20 mmHg e pressão de perfusão cerebral > 50 mmHg.
Para reduzir o edema cerebral: a terapia de substituição renal Complicações do tratamento de substituição renal O tratamento de substituição renal (TSR) repõe a função não endócrina dos rins de pacientes com falência renal e, ocasionalmente, é utilizado para algumas formas de intoxicações. As técnicas... leia mais na insuficiência hepática aguda ajuda a remover a amônia e prediz uma redução na mortalidade se iniciada precocemente. As diretrizes da European Association for the Study of the Liver (EASL) sobre insuficiência hepática aguda recomendam considerar a terapia de substituição renal em pacientes com insuficiência hepática e amônia acentuadamente elevada e/ou encefalopatia progressiva (1 Referências sobre o tratamento Insuficiência hepática aguda é causada mais frequentemente por fármacos e vírus. Manifestações cardinais são icterícia, coagulopatia e encefalopatia. O diagnóstico é clínico. O tratamento é... leia mais ).
As convulsões são tratadas com fenitoína; benzodiazepinas são evitadas ou só utilizadas em doses baixas porque elas causam sedação.
Infecção é tratada com fármacos antibacterianos e/ou antifúngicas; o tratamento é iniciado assim que os pacientes mostram qualquer sinal de infecção (p. ex., febre, sinais localizantes; deterioração da hemodinâmica, estado mental ou função renal). Como os sinais de infecção se sobrepõem àqueles da insuficiência hepática aguda, é provável que a infecção ocorra por causa de resultados de cultura sobretratados pendentes.
Deficiências de eletrólitos podem exigir suplemento de sódio, potássio, fosfato ou magnésio.
Hipoglicemia é tratada com infusão contínua de glicose (p. ex., 10% de dextrose), e a glicose no sangue deve ser monitorada frequentemente porque a encefalopatia pode mascarar os sintomas da hipoglicemia.
Trata-se a coagulopatia com plasma fresco congelado se ocorrer sangramento, se estiver planejada a realização de um procedimento invasivo. O plasma fresco congelado é outra forma evitada porque pode resultar em sobrecarga de volume e piora do edema cerebral. Além disso, quando plasma fresco congelado é utilizado, os médicos não podem seguir as mudanças na razão normalizada internacional (RNI), que são importantes porque a RNI é um índice da gravidade da insuficiência hepática aguda e, portanto, às vezes é um critério para transplante. Utiliza-se preferencialmente o fator VII recombinante isolado ou associado ao plasma fresco congelado em pacientes com sobrecarga de volume. Seu papel está evoluindo. Bloqueadores H2 podem ajudar a prevenir sangramento gastrointestinal.
Suporte nutricional pode ser necessário se os pacientes não conseguirem comer. Restrição intensa de proteínas é desnecessária; 60 g/dia são recomendados.
Trata-se a toxidade aguda por paracetamol Tratamento Intoxicação pelo paracetamol pode causar gastrenterite horas após a ingestão e hepatotoxicidade em 1 a 3 dias. Após superdosagem, a gravidade da hepatotoxicidade é previsível pelos níveis de... leia mais com N-acetilcisteína. Como a toxicidade crônica de paracetamol pode ser difícil de diagnosticar, o uso de N-acetilcisteína deve ser considerado se não há nenhuma causa aparente para insuficiência hepática aguda. Ainda está sendo estudado se N-acetilcisteína tem um efeito benéfico ligeiro sobre pacientes com insuficiência hepática aguda devido a outras condições.
O transplante de fígado Transplante de fígado O transplante de fígado é o 2º tipo mais comum de transplante de órgão sólido. (Ver também Visão geral do transplante.) As indicações de transplante hepático são Cirrose (70% dos transplantes... leia mais resulta em uma média de sobrevida em 1 ano de cerca de 84% (3 Referências sobre o tratamento Insuficiência hepática aguda é causada mais frequentemente por fármacos e vírus. Manifestações cardinais são icterícia, coagulopatia e encefalopatia. O diagnóstico é clínico. O tratamento é... leia mais ). O transplante é, portanto, recomendado se o prognóstico sem o transplante é pior. No entanto, a previsão é difícil e os escores, como os critérios do King's College e o escore APACHE II (Acute Physiologic Assessment and Chronic Health Evaluation II), não são suficientemente sensíveis nem específicos para serem utilizados como critérios únicos para o transplante; portanto, eles são utilizados como adjuvantes ao julgamento clínico (p. ex., com base em fatores de risco).
Informações adicionais sobre insuficiência hepática aguda podem ser encontradas nas diretrizes da European Association for the Study of the Liver (EASL).
Referências sobre o tratamento
1. European Association for the Study of the Liver: EASL Clinical practical guidelines on the management of acute (fulminant) liver failure. J Hepatology 66:1047-1081, 2017. doi: 10.1016/j.jhep.2016.12.003
2. Karvellas CJ, Fix OK, Battenhouse H, et al: Outcomes and complications of intracranial pressure monitoring in acute liver failure: A retrospective cohort study. Crit Care Med 42:1157-1167, 2014. doi: 10.1097/CCM.0000000000000144
3. Health Resources and Services Administration (HRSA): Organ Procurement and Transplantation Network (OPTN)/Scientific Registry of Transplant Recipients (STRT) 2020 Annual Data Report: Liver.
Prognóstico para insuficiência hepática aguda
A previsão do prognóstico pode ser difícil. Variáveis preditivas importantes incluem
Grau da encefalopatia: pior quando a encefalopatia é grave
Idade do paciente: pior quando a idade é < 10 ou > 40 anos
TP: pior quando a RNI está prolongada
Causa da insuficiência hepática aguda: melhor com a toxicidade do paracetamol Intoxicação por paracetamol Intoxicação pelo paracetamol pode causar gastrenterite horas após a ingestão e hepatotoxicidade em 1 a 3 dias. Após superdosagem, a gravidade da hepatotoxicidade é previsível pelos níveis de... leia mais , hepatite A Hepatite A Hepatite A é causada por um vírus de RNA transmitido entericamente que, em crianças mais velhas e adultos, provoca sintomas típicos da hepatite viral, incluindo anorexia, mal-estar e icterícia... leia mais , hepatite B Hepatite B (aguda) A hepatite B é causada por um vírus de DNA muitas vezes transmitido parentericamente. Ela provoca sintomas típicos de hepatite viral, incluindo anorexia, mal-estar e icterícia. Hepatite fulminante... leia mais do que com reações medicamentosas idiossincráticas Reações medicamentosas adversas Reação adversa a fármacos (RAF, ou reação medicamentosa advsersa) é um termo abrangente que se refere aos efeitos indesejáveis, desconfortáveis ou perigosos que um fármaco pode ter. Reações... leia mais ou doença de Wilson Doença de Wilson A doença de Wilson resulta em acúmulo de cobre no fígado e em outros órgãos. Sintomas neurológicos e hepáticos se desenvolvem. O diagnóstico baseia-se em baixos níveis de ceruloplasmina, alta... leia mais
Vários sistemas de classificação [p. ex., critérios do King's College e classificação Acute Physiologic Assessment and Chronic Health Evaluation II (APACHE II)] são utilizados para prever o prognóstico dos pacientes, mas não são muito precisos para cada paciente individualmente.
Pontos-chave
As causas mais comuns da insuficiência hepática aguda são hepatite viral (em países onde o saneamento é precário) e fármacos e toxinas (em países com saneamento eficaz).
Insuficiência hepática aguda é caracterizada por icterícia, coagulopatia e encefalopatia.
Confirmar o diagnóstico encontrando prolongamento da razão normalizada internacional (RNI) ou manifestações clínicas de encefalopatia em pacientes com hiperbilirrubinemia e níveis de aminotransferases elevados.
Determinar a causa avaliando a história de uso de fármacos e exposição a toxinas e fazendo testes sorológicos para o vírus da hepatite, marcadores autoimunes e outros testes com base em suspeita clínica.
Deve-se tratar a insuficiência hepática aguda em ambiente de terapia intensiva e deve-se iniciar prontamente o encaminhamento a um centro de transplante.
Considerar N-acetilcisteína para insuficiência hepática induzida por paracetamol e transplante de fígado para pacientes com fatores prognósticos ruins (p. ex., idade < 10 ou > 40, encefalopatia grave, prolongamento grave da RNI, reação medicamentosa idiossincrática, doença de Wilson).